Seja bem-vindo ao novo site do escritório de advocacia Fujii & Santos Advogados. Inicialmente apresentamos nossa filosofia de trabalho pautada na postura ética com atuação na área Consultiva e Contenciosa em diversas esferas do Direito. Temos o objetivo em apresentar nossa filosofia de trabalho, assim como os serviços que poderemos oferecer buscando atender os interesses de nossos clientes.
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DIREITO CIVIL
Contratos, Dano Moral, Dano material, Família, Imobiliário, Médico-Hospitalar e Odontológico, Posse e Propriedade, Responsabilidade Civil e Indenizações, Securitário, Societário, Sucessões.
DIREITO EMPRESARIAL
Concorrência desleal, Franquias, Leasing, Elaboração e Revisão de contratos e Supermercadista.
DIREITO DO CONSUMIDOR
Contratos, Ofertas, Publicidade, Vício e fato do produto, Necessidades de cláusulas em contratos de adesão.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Demandas judiciais contra o INSS, Revisão de Benefícios, Aposentadoria e Seguridade Social.
DIREITO TRABALHISTA E SINDICAL
Ajuizamento e defesas de reclamações trabalhistas, Consultoria e orientação legal com elaboração de pareceres, Representação e assessoria em negociações coletivas relativas a convenções, Acordos, Dissídios e Relações Sindicais.
DIREITO TRIBUTÁRIO
Defesa administrativa e judicial com revisão de Tributos Municipais, Estaduais e Federais.
DIREITO DA FAMÍLIA
Divórcio, alimentos e inventário.
OUTROS ASSUNTOS
Demais assuntos podem ser tratados diretamente com os advogados.
Pensão alimentícia não incide sobre imposto de renda, reitera juiz
O prazo prescricional para repetição de indébito começa apenas após o pagamento da última parcela de acordo com a Receita Federal ou quando há a quitação integral do débito indevido.
freepikJuiz reiterou que valores recebidos a título de pensão alimentícia não incidem sobre IRPf
Juiz reiterou que valores recebidos a título de pensão alimentícia não incidem sobre IRPF
Esse foi o entendimento do juiz Fernando Américo de Figueiredo Porto, da 15ª Vara Federal da Paraíba, para reconhecer a inexigibilidade e ordenar a restituição de imposto de renda de pessoa física sobre pensão alimentícia que uma mulher recebia juntamente com suas filhas.
Ao decidir, o magistrado afastou a alegação da União de que houve prescrição do indébito, já que os valores do imposto a restituir eram referentes ao anos de 2016/2015, 2015/2014, 2014/2013 e 2013/2012.
Ele explicou que o entendimento do Tribunal Regional Federal da 5ª é firme no sentido de que o prazo prescricional só passa a correr quando encerrado o parcelamento com a receita ou quitado o débito indevido.
“No caso dos autos, como o parcelamento ainda está sendo executado e os pagamentos continuam sendo realizados pela autora, não há como reconhecer a prescrição dos valores pagos durante o período discutido”, resumiu.
No mérito, o julgador também deu razão à autora da ação. O magistrado afirmou que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.422, definiu que os valores recebidos a título de pensão alimentícia não incidem sobre o imposto de renda.
“Ante o exposto, julgo procedente o pleito formulado na exordial para declarar a inexigibilidade da cobrança do imposto de renda incidente sobre valores recebidos a título de pensão alimentícia pela parte autora, bem como para condenar a parte promovida à restituição dos valores indevidamente recolhidos a tal título, devidamente atualizados nos mesmos parâmetros utilizados pelo Fisco para cobrança de valores em atraso dos contribuintes, ou seja, a taxa Selic, conforme planilha a ser elaborada pelo setor de cálculos”, decidiu. _
Para especialistas, remuneração de direitos autorais em treinamentos limita avanços da IA
Aprovado pelo Senado na última terça-feira (10/12), o projeto de Marco Legal da Inteligência Artificial (PL 2.338/2023) prevê que, quando conteúdos protegidos por direitos autorais forem usados para o treinamento de ferramentas do tipo, será preciso remunerar os titulares das obras. Tal regra é vista como inadequada e inviável por especialistas em Propriedade Intelectual e Direito Digital.
biancoblue/freepikRobô tocando painel com imagem computadorizada de cérebro
PL aprovado prevê remuneração pelo uso de obras protegidas por direitos autorais em treinamentos de IA
Boa parte dos sistemas de IA é desenvolvida a partir de um treinamento. Para que uma IA seja capaz de reconhecer visualmente cachorros, por exemplo, centenas de milhares de imagens são submetidas ao algoritmo. A ferramenta aprende por associação: durante o treinamento, indica-se a ela quais das imagens submetidas retratam cachorros.
Isso exige um volume gigantesco de informações, na maioria das vezes adquiridas em inúmeras fontes na internet, por meio da mineração de dados. Por isso, obras protegidas por direito autoral acabam sendo usadas nesse procedimento.
O PL aprovado garante a remuneração por esse uso. O texto diz que o pagamento deve ser razoável e proporcional, levando em conta o porte da empresa de IA e o impacto na concorrência. A empresa precisará informar quais foram os conteúdos utilizados.
A exceção é para o desenvolvimento de sistemas de IA por parte de instituições de pesquisa, de jornalismo, museus, arquivos, bibliotecas e organizações educacionais. Nesses casos, os conteúdos protegidos podem ser usados, desde que a ferramenta não tenha fins comerciais e que o objetivo principal não seja a reprodução das obras.
As big techs afirmaram que a previsão de remuneração pode inviabilizar o desenvolvimento da IA no Brasil. Especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico também demonstram tal preocupação.
Bases abertas
Eduardo Paranhos, advogado especializado em governança e tecnologia, que também atua com PI e lidera o grupo de trabalho de IA da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), diz que a remuneração prevista no PL é “completamente inviável” para treinamentos com bases abertas — ou seja, sites livremente acessáveis na internet.
Ele explica que, antes da remuneração, seria preciso determinar se o conteúdo é ou não protegido por direitos autorais e, depois, reconhecer quem é o titular desses direitos. Mas um único site pode ter alguns conteúdos com direitos autorais e outros não protegidos.
Por sua vez, os conteúdos protegidos podem estar em nome de diversos titulares diferentes e não relacionados. “Multiplique esta situação por milhões de sites abertos que podem ser consultados livremente por qualquer usuário e fica claro que seria absolutamente impossível fazer esta determinação”, assinala.
Segundo o advogado Filipe Fonteles Cabral, sócio do escritório Dannemann Siemsen (especializado em PI), o projeto parte do pressuposto de que existe violação de direitos autorais nos treinamentos de IA e que uma remuneração é devida. Com isso, “pula a etapa de entendimento de como a mineração e o treinamento são feitos, quais informações são extraídas das bases de dados e para quais finalidades são utilizadas”.
Cabral explica que a mineração precisa ser feita em bases com milhões de dados. “Sobre essas bases, o valor está na variedade dos dados e não no valor econômico ou cultural de uma informação isolada”, complementa.
Paranhos ressalta que o treinamento de um modelo de IA é um ato de aprendizado. O sistema aprende com os vários conteúdos a que tem acesso, da mesma forma que um ser humano. Em ambos os casos, os dados são processados para formar sua visão sobre os mais variados assuntos.
“Como profissionais, utilizamos conhecimentos técnicos obtidos ao longo da vida por meio de acesso a informações de forma legítima e fluida, sem limitação ao aprendizado por meio de conteúdos obtidos de forma legal. Isto inclui acesso a obras que, apesar de estarem protegidas por direitos autorais, muitas vezes estão disponíveis livremente na internet para leitura e aprendizado”, indica.
Uso infrator
Como lembra Paranhos, a legislação autoral já protege os titulares quando o aprendizado é acompanhado de uma reprodução indevida do conteúdo. Nesses casos, a “materialização daquela cópia desautorizada” será impedida.
Embora proteja essas situações de “uso infrator da obra”, a legislação não limita “o acesso e manutenção de um aprendizado legitimamente obtido”. Na sua visão, “esta mesma dinâmica deve se aplicar à IA”.
O advogado Ciro Torres Freitas, sócio do escritório Pinheiro Neto na área de tecnologia e também atuante em questões de PI, concorda que os titulares de direitos auatorais devem continuar protegidos “quando o resultado gerado por sistemas de inteligência artificial implicar violação de suas criações”. Por outro lado, entende que a regra de remuneração pelo uso das obras “coloca o Brasil em uma posição ainda mais desafiadora no cenário internacional em termos de inovação tecnológica”.
Segundo Cabral, se uma base de dados não estiver disponível, o treinamento será feito com outras fontes, “possivelmente de outras jurisdições”. Se as ferramentas de IA não utilizarem bases nacionais, não se adaptarão “ao nosso idioma, biotipo ou cultura”. Por isso, os modelos disponíveis “não serão tão eficazes para nossa realidade”.
O advogado ressalta que isso é válido para o uso de IA em qualquer área, desde aplicativos financeiros até de saúde. “Não estamos falando de aplicativos que geram conteúdo criativo artístico, mas de indústrias diversas que talvez nem usem IA generativa”, destaca.
Por isso, ele também considera que a regulação deveria se preocupar com eventuais violações de direitos autorais no conteúdo gerado pela IA, e não no treinamento de dados, que é uma “mera leitura de bases diversas com a finalidade de ‘alfabetizar’ esses ‘motores’ de IA, de uso diverso”.
Freitas também diz que a regulamentação “não pode desconsiderar a necessidade de uso de bases de dados e outras criações protegidas por direitos autorais para o desenvolvimento de sistemas de IA capazes de gerar avanços e benefícios significativos em áreas essenciais, como saúde e educação”.
Ele cita o exemplo do Japão, cuja regulação tende a permitir o uso de obras protegidas sem remunerar os titulares no contexto de desenvolvimento e aprendizado dos sistemas, mesmo se a finalidade for comercial, desde que o uso ocorra “na medida necessária e sem prejudicar injustamente os interesses dos titulares dos direitos autorais”.
Por outro lado, como aponta o advogado, se o resultado gerado pelos sistemas de IA violar direitos autorais no Japão, os titulares têm o direito de barrar a infração e receber indenização. “É uma opção pelo equilíbrio entre proteção de direitos autorais e inovação tecnológica, que poderia ser seguida pelo legislador brasileiro”, sugere._
Plataforma de vendas é multada por insistir contra responsabilidade subsidiária
A 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame de recurso de plataforma de vendas contra sua responsabilização subsidiária ao pagamento de verbas trabalhistas a um trabalhador de empresa de serviços de entrega. Ao insistir injustificadamente em ter seu caso examinado pelo TST, a empresa recebeu multa de 2%.
Freepikentrega / entregador / mercado livre / plataforma de vendas
A plataforma de vendas conseguia rastrear o entregador em seu percurso
Na ação trabalhista que propôs contra as duas empresas, o motorista disse que a entregadora dava ordens e punições, mas o trabalho era executado exclusivamente para a plataforma de vendas, que acompanhava as entregas por um aplicativo com GPS.
Ele conseguiu o reconhecimento do vínculo de emprego com a entregadora e a responsabilização subsidiária (quando o devedor principal não paga a dívida) da plataforma pelo pagamento de verbas rescisórias, horas extras e indenização dano moral, entre outras parcelas.
A sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e litoral paulista), para quem ficou comprovado que a entregadora era a única tomadora dos serviços prestados pelo motorista entregador.
Assim, o descumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada justifica a responsabilidade subsidiária da contratante, a quem cabe assegurar a idoneidade dos contratos. A medida, segundo o TRT-2, visa resguardar os interesses do trabalhador, e o tomador de serviços pode recuperar os valores pagos em ação própria contra o prestador inadimplente.
Insistência em recurso gerou multa
O recurso de revista da plataforma de vendas foi barrado pelo TRT-2. Contra isso, ela apresentou agravo de instrumento, rejeitado pela relatora, ministra Maria Cristina Peduzzi. Ainda inconformada, a empresa interpôs outro agravo, para levar o caso ao colegiado.
Segundo a ministra, porém, a empresa apenas reproduziu integralmente a decisão do TRT-2, sem fazer nenhum destaque ou indicação precisa das teses adotadas na decisão, o que não atende à exigência legal para que o recurso fosse admitido. Por isso, o colegiado aplicou multa de 2% prevista no Código de Processo Civil quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime. Com informações da assessoria do TST._
A aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é válida para remição de pena, mesmo que o apenado já tenha concluído o segundo grau em liberdade.
Paulo Pinto/Agência Brasilestudantes entram em local de prova do enem
Aprovação no Enem é válida para remição de pena, segundo STJ
Com esse entendimento, o ministro Antônio Saldanha Palheiro, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu a redução de pena a um detento que foi aprovado no Enem em 2020 e em 2021. Ele descontou 20 dias para cada disciplina em que o detento passou.
Em 2020, ele passou em todas as áreas do exame, exceto Matemática e Suas Tecnologias. Em 2021, ele foi aprovado em todas as áreas do conhecimento e obteve o certificado de conclusão do ensino médio. A defesa pediu a redução da pena pelo tempo dos estudos dentro da detenção, que foi indeferida na primeira instância.
O juiz de primeiro grau justificou que o artigo 126 da Lei de Execução Penal, que trata do tema, não contempla a atividade. O Tribunal de Justiça de São Paulo também negou o pedido. Para os desembargadores, a aprovação no exame não justificava a redução na pena, já que o condenado poderia ter concluído o segundo grau em liberdade e se aproveitado de seus conhecimentos prévios para passar na prova. Assim, na visão deles, não há provas de que o detento passou tempo estudando durante a reclusão.
O advogado recorreu, então, ao STJ. O ministro Palheiro entendeu que as decisões anteriores deveriam ser reformadas. Para ele, passar em um exame como o Enem demanda estudos por conta própria, mesmo para quem conclui o nível médio fora do ambiente carcerário.
“É devido o aproveitamento dos estudos realizados durante a execução da pena com o objetivo específico de lograr aprovação nesta exigente avaliação nacional, nos termos do art. 126 da Lei de Execução Penal e da Recomendação n. 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça (…). O fato de o Apenado já haver concluído o ensino médio antes do início da execução da pena impede apenas o acréscimo de 1/3 (um terço) no tempo a remir em função da conclusão da etapa de ensino”, escreveu Palheiro._
Candidata convocada para posse por erro no envio de e-mail deve ser indenizada
A 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios manteve a sentença que condenou uma universidade do Distrito Federal a indenizar uma candidata que foi convocada, de forma equivocada, para apresentação de documentos e posse. O colegiado observou que a conduta da ré teve uma ligação direta com o dano sofrido pela autora.
Freepikmulher carregando documento
A mulher fez os exames necessários e levou os documentos para a posse do cargo
De acordo com o processo, a autora foi aprovada para cadastro de reserva no cargo de professor universitário de Nutrição Materno-Infantil na instituição ré. A candidata informa que, em dezembro de 2023, recebeu e-mail com convocação para apresentação da documentação e posse coletiva.
A autora relata que, ao apresentar os documentos, tomou conhecimento de que o nome não constava na lista de nomeados e que foi convocada por conta de erro no envio do e-mail. Pede que o réu seja condenado a publicar a nomeação ou, de forma subsidiaria, a indenizá-la pelos danos materiais e morais sofridos.
Em sua defesa, a universidade alega que houve culpa exclusiva da autora, que não teria acompanhado as nomeações pelo Diário Oficial do DF. Defende, ainda, que a autora não possui direito subjetivo à posse, uma vez que não foi convocada no diário.
Erro administrativo
A decisão da 2ª Vara da Fazenda Pública do DF observou que “houve erro administrativo no envio do e-mail à autora” e que a ré deve responder pelos danos sofridos. Ao condenar a universidade a indenizar a autora, o magistrado pontuou que “o e-mail gerou expectativa de nomeação e posse em cargo público, a qual foi frustrada com a informação de erro administrativo”.
Quanto ao pedido de nomeação, o magistrado explicou que a candidata não foi aprovada dentro do número de vagas e, por isso, “não possui direito subjetivo à nomeação, mesmo que tenha recebido, por engano, o e-mail de convocação para a posse”.
Tanto a autora quanto a universidade recorreram. A candidata pediu o aumento dos valores fixados tanto a título de dano moral quanto material. A ré, por sua vez, pede que os pedidos sejam julgados improcedentes.
Ao analisar os recursos, a turma reforçou que “houve erro administrativo na convocação da autora para a posse e apresentação de documentos” e que há “indícios suficientes de dano e nexo de causalidade no erro administrativo narrado”. Quanto aos pedidos da autora, o colegiado esclareceu que “não se mostra cabível a majoração dos danos materiais já estipulados” e que o valor do dano moral “mostra-se justo e proporcional”.
Dessa forma, a turma manteve a sentença que condenou a universidade a pagar para autora a quantia de R$ 5 mil a título de danos morais. A ré terá ainda de pagar o valor de R$ 2.848 referente aos gastos com alimentação, exames e deslocamento. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de comunicação do TJ-DF._
Médico deve indenizar se plástica tiver resultado ruim conforme senso comum
No caso de cirurgia plástica estética, só pode se presumir culpa do médico se o resultado for desarmonioso, segundo o senso comum.
freepikhospital cirurgia exame paciente
Instâncias ordinárias concluíram que a cirurgia estética teve resultado pior do que a situação anterior
Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial de um médico e manteve a condenação de indenizar uma paciente em R$ 15 mil por danos morais.
Ela passou por plástica mamária estética e não ficou satisfeita. Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso concluiu que a técnica usada na cirurgia foi correta, mas o resultado piorou a situação anterior.
Ao STJ, o médico recorreu para sustentar que a execução da intervenção cirúrgica de acordo com os padrões técnicos afasta o dever de indenizar. A tentativa foi rejeitada por unanimidade de votos na 4ª Turma.
Plástica problemática
Relatora do recurso, a ministra Isabel Gallotti explicou que, no caso de cirurgia plástica estética, a obrigação do médico é de resultado. Com isso, inverte-se o ônus da prova em seu desfavor.
Para afastar a responsabilidade do profissional, é preciso provar que os danos foram causados por fatores externos e alheios à sua atuação, o que não aconteceu no caso concreto, como concluiu o TJ-MT — conclusão que não pode ser revista pelo STJ.
“Não há necessidade de fazer exatamente o que o paciente espera, mas precisa ser uma coisa razoável. E o médico tem que poder comprovar que ele usou a melhor técnica adequada e o resultado foi razoável”, disse a relatora.
“Ou ao contrário, que mesmo que tenha desagradado, se for harmonioso sobre senso comum, não se justifica a responsabilização”, disse. “Somente se pode presumir culpa se o resultado for desarmonioso segundo senso comum.”
Como as mamas da paciente não ficaram em situação estética melhor do que a existente antes da plástica, ainda que o médico tenha usado a técnica adequada na cirurgia, surge o dever de indenizar.
A votação foi unânime. “Se fôssemos esperar que toda cirurgia saísse como as pessoas desejam, nós só teríamos Alain Delons e Sophias Lorens no país”, disse o ministro João Otávio de Noronha, em referência a ícones do cinema do século 20._
Investidor deve ser restituído por dinheiro aplicado em corretora que faliu, diz STJ
O investidor que entregou dinheiro a uma corretora de valores para destinação específica tem direito a ser plena e imediatamente ressarcido na hipótese de falência, pois o montante não pode ser considerado crédito quirografário.
Freepikmãos em preto e branco colocam moedas em pilhas crescentes. Uma arte mostra uma seta e índice em vermelho, o que dá a ideia de juros que crescem
Valor do investidor foi reinvestido dias antes da falência da corretora de valores
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial da massa falida de uma corretora de valores, que visava incluir um crédito no processo de falência.
O valor em questão — R$ 205,3 mil — foi aplicado pelo investidor em 4 de outubro 2018 para a compra de títulos e valores mobiliários, e foi efetivamente reaplicado no dia seguinte. A liquidação extrajudicial da corretora ocorreu em 8 de outubro.
O cerne da disputa é decidir se esse montante se incorpora ao patrimônio da empresa, de maneira equiparada ao depósito em instituição financeira. Nessa hipótese, o valor deve ser inscrito como crédito quirografário no processo de falência.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, porém, entendeu que a corretora é apenas uma intermediadora, sendo que os valores foram depositados para destinação específica — a aplicação em Letras do Tesouro Nacional.
Não é patrimônio do falido
Para o TJ-SP, isso faz com que o montante não integre o patrimônio da empresa falida. Logo, deve ser restituído ao investidor sem passar pelo processo da falência, pela aplicação da Súmula 417 do Supremo Tribunal Federal.
O enunciado diz que “pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade”.
Aplica-se ao caso, portanto, o artigo 85 da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005), segundo o qual “o proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição”.
Por unanimidade de votos, a 3ª Turma do STJ manteve a posição do TJ-SP. Relator do recurso especial, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva destacou a importância da distinção entre a instituição financeira e a corretora, para fins de restituição do valor aplicado._
Júri absolve por clemência autor de suposta vingança e TJ-MG mantém decisão
A absolvição pelo crime de homicídio cometido por suposta vingança não é manifestamente contrária às provas dos autos se os jurados decidirem inocentar o réu por clemência e essa tese for sustentada pela defesa no plenário do júri. Com essa conclusão, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento ao recurso de apelação do Ministério Público contra decisão do júri que absolveu um homem por matar outro a golpes de facão.
Freepikhomem segurando faca / esfaqueamento
O homem matou a facadas o padrasto de sua mulher, que supostamente havia abusado das enteadas
“Não se discute aqui, diga-se, o acerto ou não da decisão, e sim a existência de lastro probatório mínimo nos autos, relacionado à versão vencedora quando da votação dos quesitos”, observou o juiz convocado Mauro Riuji Yamane, relator da apelação.
O crime ocorreu em novembro de 2022 e o réu o confessou. Ele alegou que ficou “fora de si” quando a sua mulher lhe confidenciou que ela e a irmã, ainda crianças, entre 2003 e 2007, foram vítimas de abusos sexuais cometidos pelo então padrasto. Diante dessa revelação, o acusado contou que se dirigiu à frente da casa do ex-padrasto da mulher e o atacou quando ele chegava ao local de bicicleta. Atingida na cabeça, no tórax, no abdômen, nos braços e nas pernas, a vítima faleceu no local.
O réu fugiu, sendo posteriormente identificado pela polícia e denunciado. Para o MP, o homicídio foi qualificado pelo motivo torpe, devido à vingança, pela crueldade e pelo emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
Diante da vingança admitida pelo réu por estupros que sequer ficaram comprovados, porque as supostas vítimas nunca haviam acusado o padrasto, o MP sustentou no recurso ser a tese defensiva de clemência manifestamente contrária à prova dos autos. Porém, para o relator, “a decisão não pode ser considerada contraditória, ou esdrúxula, considerando que a defesa, em plenário, sustentou o seu pleito de clemência, amparado no suposto crime praticado pela vítima em detrimento da esposa do acusado”.
Os desembargadores José Luiz de Moura Faleiros e Alberto Deodato Neto acompanharam Yamane. O colegiado destacou ser muito estreita a possibilidade de cassação do veredicto popular por manifesta contrariedade à prova dos autos.
Conforme o acórdão, é proibido ao juiz togado invadir a competência privativa do tribunal do júri, cuja soberania decorre de princípio constitucional, exceto se a decisão dos jurados for absurda, escandalosa, arbitrária e totalmente divorciada das provas.
A decisão da 1ª Câmara Criminal do TJ-MG também citou que a possibilidade de absolvição em quesito genérico por clemência tem elevado grau de abstração e subjetividade, até porque a decisão dos jurados dispensa motivação. “Fala-se em democracia no júri por essa razão: a substituição do direito positivo a cargo do juiz pelo sentimento de justiça do júri popular”, finalizou o acórdão, reproduzindo esse ensinamento do jurista e professor Eugênio Pacelli de Oliveira.
Sem mais recursos
O acórdão transitará em julgado porque a Procuradoria de Justiça do MP-MG, com atuação nos tribunais superiores (PJTS), não recorrerá. Ela reconhece que a decisão do júri não foi manifestamente contrária à prova dos autos.
Segundo a assessoria especial da PJTS, a decisão dos jurados está embasada em uma “racionalidade mínima”, devido à vingança, não podendo se esquecer ainda da soberania dos veredictos prevista na Constituição Federal e do Tema 1.087 do Supremo Tribunal Federal.
Sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, no julgamento do recurso extraordinário com agravo 1.225.185, com repercussão geral, o STF fixou tese que pode ser aplicável ao caso sob exame, conforme a PJTS. Essa tese faz parte do Tema 1.087. Segundo ela, o tribunal de apelação não determinará novo júri quando tiver ocorrido a apresentação, constante em ata, de pedido tendente à clemência ao acusado e os jurados o acolherem.
A única ressalva do tema é a de que a tese da defesa tenha compatibilidade com a Constituição Federal, com os precedentes vinculantes do STF e com as circunstâncias fáticas apresentadas nos autos._
Saiba quem são os assessores que ajudam ministros do STJ em suas decisões
O Superior Tribunal de Justiça convocou em outubro 93 juízes para que atuem nos dez gabinetes da 3ª Seção da corte. O objetivo é auxiliar na produção de decisões e votos.
Marcello Casal Jr/Agência BrasilFachada STJ
ConJur listou servidores que foram cedidos ao STJ para que atuem nos gabinetes dos ministros
Para além dos juízes, servidores de áreas diversas são cedidos ao tribunal para que atuem nos gabinetes, auxiliando os ministros na tomada de decisões: há na corte advogados públicos, procuradores da Fazenda e até delegados da Polícia Federal, cedidos a pedido dos próprios ministros.
Há, por exemplo, 19 procuradores nos gabinetes dos ministros, entre procuradores da Fazenda Nacional, procuradores federais, municipais e estaduais. Dois policiais federais também integram o gabinete do ministro Francisco Falcão, sendo um deles delegado.
Também foram cedidos dois militares, sendo um segundo-tenente do Quadro Auxiliar de Oficiais e um segundo-tenente do Quadro de Oficiais da Reserva; cinco advogados da União; dez analistas ou técnicos do MPU; seis defensores públicos; e diversos analistas e técnicos judiciários.
Em sua segunda edição, o Anuário da Justiça do Direito Empresarial 2024, publicação da revista eletrônica Consultor Jurídico, passou a publicar os integrantes dos gabinetes de Direito Privado e Direito Público, entre eles os que foram cedidos à corte.
Saiba quem atua em cada gabinete e quais seus cargos. A lista leva em conta servidores cedidos até 31 de agosto deste ano:
Francisco Falcão
Izabella Piuzana Mucida, delegada da Polícia Federal
Antonio Silva Nascimento, agente da Polícia Federal
Ângelo Márcio Alves de Souza, segundo-tenente do Quadro Auxiliar de Oficiais
Cecília Teixeira Azevedo e Silva, segundo-tenente do Quadro de Oficiais da Reserva
Mônica Cristina de Almeida Lima, procuradora da Fazenda Nacional
Hermes Santos Blumenthal de Moraes, advogado da União
Carlos Alberto do Carmo Reis, agente administrativo
Adriana Ardilha da Silva da Costa, analista judiciária
Jader Borges Guimarães, agente administrativo
Nancy Andrighi
Mariana Morschel da Costa, analista do MPU
Rafael Teixeira Coimbra, analista judiciário
Renato José Ramalho Alves, procurador estadual
Rodrigo Casimiro Reis, defensor público
Rodrigo Grando, oficial superior judiciário
João Otávio de Noronha
Adecleiton Bezerra, agente de educação/vigilância
Bruna de Oliveira Mende, analista de apoio à assistência judiciária
Bruno Pereira Costa, analista judiciário
Carla Vanessa Abreu do Lago Jardim, analista judiciária
Não membros da UE devem ser cautelosos quanto à diretiva sobre dever de diligência em sustentabilidade
Em julho de 2024, entrou em vigor a Diretiva 2024/1760 da União Europeia sobre o dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (CSDDD). Após extensa deliberação sobre seu escopo, a versão final da diretiva restringiu sua aplicação a empresas de responsabilidade limitada constituídas na União Europeia (UE) que empreguem mais de 1.000 pessoas e gerem um volume de negócios líquido mundial de pelo menos 450 milhões de euros, bem como a empresas não pertencentes à UE que alcancem um faturamento líquido de 450 milhões de euros dentro da UE.
Divulgação
Essas empresas são obrigadas a identificar e mitigar os riscos e impactos negativos sobre os direitos humanos e o meio ambiente decorrentes de suas próprias operações, bem como das de suas subsidiárias e dos parceiros comerciais ao longo de suas cadeias de valor. Para tanto, devem implementar um plano de dever de diligência (due diligence).
Escopo da CSDDD
A diretiva impõe um dever de diligência a essas empresas para monitorar suas cadeias de valor globais. Será estabelecida uma Autoridade Nacional de Supervisão em cada Estado-membro da U.E. para supervisionar o cumprimento da Diretiva. Esta autoridade terá competência para realizar investigações e impor sanções às empresas que não cumpram as obrigações estabelecidas. Após a transposição para a legislação nacional pelos estados-membros, a diretiva permite que as empresas matrizes sejam responsabilizadas nos tribunais de seus países de origem por falhas em devida diligência que resultem em danos ambientais ou violações dos direitos humanos dentro de suas cadeias de valor. Consequentemente, as empresas matrizes podem ser responsabilizadas pelos danos causados por seus parceiros afiliados que operam em países terceiros.
Alcance extraterritorial da diretiva
A Diretiva CSDD desafia o princípio tradicional da personalidade jurídica separada e contorna a doutrina frequentemente invocada do forum non conveniens em casos que envolvem a responsabilidade das empresas por danos transnacionais aos direitos humanos ou ao meio ambiente decorrentes de atividades empresariais. Do ponto de vista daqueles afetados pelos danos dentro das cadeias de valor, a diretiva representa uma inovação significativa. No entanto, ela também carrega ramificações legais e políticas negativas para os países não membros da UE, especialmente para os países do Sul Global. Essas ramificações decorrem principalmente do alcance extraterritorial da diretiva, que impõe obrigações de conformidade às empresas, independentemente de sua localização geográfica.
Concentração jurisdicional nas mãos dos juízes nacionais dos estados da UE
O escopo extraterritorial da Diretiva CSDD pode prejudicar a autoridade jurisdicional dos tribunais nacionais dos estados não membros da UE onde empresas europeias estejam envolvidas em danos ambientais ou violações de direitos humanos. Essa situação ocorre porque a empresa matriz de um grupo multinacional pode ser processada perante os tribunais de estados-membros da UE, independentemente de onde o dano tenha ocorrido. Em muitos casos, processar a empresa matriz, em vez das subsidiárias locais ou dos parceiros comerciais, é uma decisão estratégica, pois a matriz geralmente possui mais recursos para atender às eventuais reparações.
Spacca
Por conseguinte, os potenciais demandantes, incluindo as vítimas, os seus representantes legais e, especialmente, as organizações não-governamentais, podem ser inclinados a direcionar suas ações contra a empresa matriz para garantir a compensação. Essa tendência pode levar a uma concentração de litígios nos tribunais dos estados-membros da UE, marginalizando assim a jurisdição dos tribunais nos países onde os danos ao meio ambiente ou às pessoas ocorreram originalmente.
Tal mudança de jurisdição levanta preocupações porque o quadro legal estabelecido pela Diretiva CSDD favorece desproporcionalmente os tribunais dos estados da UE, relegando os tribunais domésticos dos estados não membros a um papel secundário ou inexistente na resolução desses casos. Esse fenômeno não remete à lógica inerente à tradução do direito internacional privado, pois parece alinhar-se menos com o objetivo de harmonização jurídica entre jurisdições da U.E. e aqueles fora dela, mais com uma forma de imperialismo jurídico.
Estabelecimento de um padrão globalizado de dever de diligência corporativa
A Diretiva CSDD estabelece um padrão europeu de dever de diligência, que, devido ao seu alcance extraterritorial, terá um impacto global. Esse padrão será aplicado às cadeias de valor globais das empresas europeias, independentemente da localização geográfica de suas operações. De acordo com a diretiva, essas empresas podem negociar garantias contratuais com seus parceiros comerciais diretos e indiretos, exigindo que eles cumpram os planos de diligência das empresas de acordo com as disposições da diretiva.
Caso esses parceiros se recusem a fornecer essas garantias, as empresas europeias poderão romper seus relacionamentos comerciais com eles. Uma ilustração notável de um fenômeno semelhante pode ser encontrada na recente controvérsia envolvendo o grupo varejista francês Carrefour, que declarou publicamente sua intenção de deixar de comprar carne de fornecedores brasileiros e de outros países do Mercosul, em resposta a preocupações sobre a sustentabilidade e os direitos humanos em suas cadeias de valor.
Superioridade reconhecida da Diretiva CSDD
O artigo 29(7) da Diretiva CSDD dispõe que “[o]s estados-membros asseguram que as disposições de direito nacional que transpõem o presente artigo sejam de aplicação imperativa nos casos em que a lei aplicável aos pedidos para o efeito não é a lei nacional de um estado-membro”. Esta disposição significa que, em caso de conflito de leis entre a legislação nacional de um estado-membro que implementa a diretiva e a legislação de um terceiro país, a legislação nacional do Estado-membro prevalecerá, mesmo que a legislação estrangeira seja mais favorável ou contenha padrões mais elevados de dever de diligência corporativa.
Nesse sentido, a diretiva afirma sua primazia sobre outros marcos legais, posicionando-se não apenas como o padrão europeu, mas também como um padrão global de dever de diligência. A Comissão Europeia qualificou a diretiva como um passo positivo para apoiar as práticas sustentáveis nos países em desenvolvimento; no entanto, esses países sequer foram consultados durante o processo de elaboração. Essa postura pode ser percebida como sendo condescendente. Ela impõe padrões europeus a jurisdições não europeias, sem considerar seus contextos legais, sociais ou econômicos. Além disso, a UE não tem nenhuma legitimidade para determinar o que é “bom” para os estados não membros.
Efeitos extraterritoriais da diretiva devem ser contidos pelos estados não membros da UE
À luz desses desenvolvimentos, apesar das importantes contribuições e aspectos inovadores incontestáveis da diretiva, ela pode ser vista como uma forma de imperialismo jurídico indelével. O alcance extraterritorial da diretiva representa um desafio significativo para os demais estados, especialmente para os países do Sul Global.
Em novembro de 2023, o Brasil adotou o Decreto 11.772, que estabelece uma Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas. Consultas interministeriais e oitivas com a sociedade civil estão sendo realizados para moldar essa política. No entanto, os efeitos extraterritoriais da Diretiva CSDD ainda não foram totalmente considerados pelas autoridades brasileiras, levantando preocupações sobre o potencial conflito entre a política nacional em construção e o marco europeu._
Mudança na Súmula 70 do TJ-RJ deixa criminalistas céticos, mas Defensoria vê avanço
A alteração do enunciado da Súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que permitia a condenação do réu com base apenas em depoimentos de policiais, não deve aumentar a qualidade das ações penais, pois a nova redação é confusa, segundo especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Por outro lado, a Defensoria Pública do Rio — autora do pedido de reformulação da tese — acredita que a mudança foi um avanço e gerará decisões mais justas.
Fernando Frazão/ Agência Brasil
TJ-RJ deixou de aceitar condenação só com base na palavra de policiais
O Órgão Especial do TJ-RJ alterou nesta segunda-feira (9/12) o enunciado da súmula, que tinha a seguinte redação: “O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”.
Por 13 votos a 1, o colegiado aprovou a proposta de enunciado apresentada pelo desembargador Luiz Zveiter, relator do caso. A Súmula 70 agora tem a seguinte redação: “O fato de a prova oral se restringir a depoimento de autoridades policiais e seus agentes autoriza condenação quando coerentes com as provas dos autos e devidamente fundamentada na sentença”.
Mudou pouco
O advogado e ex-professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Geraldo Prado, hoje investigador integrado ao Instituto Ratio Legis da Universidade Autônoma de Lisboa, não acredita que a nova redação da Súmula 70 melhorará de modo significativo a qualidade dos processos penais e das sentenças.
“A rigor, mudou pouco. Do ponto de vista da prova penal haverá algum ganho, por exemplo, nos casos de flagrante delito, se a convicção judicial vier apoiada em gravações produzidas pelas câmeras que os policiais estiverem usando. E é pelo uso das câmeras que o bom policial estará protegido e as violências policiais poderão ser coibidas. Ainda assim, um conjunto probatório depende de investigação que se qualifica pela coleta de múltiplos elementos que devem ser coerentes e harmônicos entre si.”
Segundo Prado, o problema do enviesamento dos depoimentos dos policiais não é corrigido pela motivação da sentença, mas pela harmonia dessa prova com outros elementos probatórios, sem hierarquia entre eles.
“Qualquer prova condenatória deverá estar em harmonia com outras provas. Não faz sentido especificar uma delas — ‘o depoimento de agentes policiais’ —, salvo se o que se pretende é conferir a essa prova, a priori, maior peso, o que não é correto teoricamente. O melhor teria sido revogar a súmula e editar outra, coerente com posições do Supremo Tribunal Federal, exigindo o uso de câmeras nas abordagens policiais”, opina o processualista penal.
A nova redação da Súmula 70 “não é muito clara”, avalia o advogado Diogo Malan, professor de Direito Processual Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da UFRJ.
“Uma interpretação possível é a de que foi criado regime jurídico de prova legal negativa: depoimentos policiais precisam ser corroborados por provas de outra natureza (à semelhança do que ocorre com o testemunho do colaborador premiado). É preciso aguardar a jurisprudência do TJ-RJ baseada nessa nova redação”, destaca Malan.
Defensoria comemora
A Defensoria Pública do Rio pediu, em 2018, o cancelamento ou, subsidiariamente, a revisão da norma ao Centro de Estudos e Debates do TJ-RJ. O então defensor público-geral do Rio, André Luís Machado de Castro, citou a análise de 1.250 acórdãos publicados entre 2013 e 2016, feita pela Coordenação de Defesa Criminal do órgão. O estudo apontou que magistrados vinham interpretando a Súmula 70 no sentido de presumir a veracidade dos depoimentos de policiais.
O defensor público-geral destacou que a normativa não tinha sido seguida por outros Tribunais de Justiça, e ressaltou que a jurisprudência do STF e do STJ considera que os depoimentos de policiais têm o mesmo valor probatório dos de outras testemunhas. Da forma como vinha sendo aplicada, disse Castro, a Súmula 70 “representava a completa subversão do sistema acusatório”, porque “deslocava o ônus probatório para a defesa, eximindo a acusação de produzir a prova daquilo que verte na denúncia”.
A decisão, embora não alcance o pedido de cancelamento, é um avanço na busca por julgamentos mais justos e fundamentados, avalia a Defensoria. Para a coordenadora de Defesa Criminal do órgão, Lúcia Helena de Oliveira, a alteração do texto é um marco significativo.
“A Súmula 70 tem 21 anos, e há duas décadas lutamos por um novo horizonte nesse tema. Embora o pedido inicial fosse pelo cancelamento, conseguimos um avanço. Temos um marco que deverá ter como consequência uma mudança de cultura nos julgamentos. Nesse sentido, vamos precisar monitorar os julgamentos para garantir que nossos assistidos tenham decisões mais justas, e que essas decisões observem todo o conjunto probatório e, também, os avanços tecnológicos. E, caso os resultados não sejam satisfatórios, seguiremos pleiteando os direitos de nossos assistidos”, diz Lúcia Helena.
O coordenador do Núcleo de Investigação Defensiva da Defensoria, Denis Sampaio, também afirma que a súmula original era um retrocesso em matéria de Direito Probatório.
“A nova redação exige que condenações baseadas em depoimentos de policiais estejam coerentes com as provas dos autos, com o fundamento expresso da coerência nas decisões. Podemos considerar um avanço, na medida em que o juiz deverá realizar um confronto entre as provas produzidas, no que tange à comprovação da autoria, mas precisamos monitorar os impactos práticos nas futuras decisões judiciais.”
Impacto nos julgamentos
Em parceria com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), a Defensoria fez um estudo sobre os impactos da Súmula 70 no julgamento de processos criminais. A pesquisa analisou dados entre 2019 e 2023, com foco em casos de tráfico de drogas julgados pelo TJ-RJ.
O levantamento revelou que, nos processos analisados em que houve aplicação da Súmula 70, 88,76% dos condenados eram do sexo masculino e negros. Esses números ilustram como a aplicação da Súmula 70 contribui para reproduzir desigualdades raciais, especialmente no contexto de delitos relacionados à Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), apontaram a Defensoria e o Geni-UFF.
Parecer de professores
Permitir a condenação com base apenas em depoimentos de policiais, como faz a Súmula 70 do TJ-RJ, distorce o processo penal, legitima abusos das forças de segurança e amplia a seletividade do sistema criminal, contribuindo para o encarceramento de negros e pobres.
Foi o que afirmaram Salo de Carvalho, professor de Direito Penal da UFRJ e da Uerj, e Mariana de Assis Brasil e Weigert, professora de Criminologia do programa de pós-graduação da Universidade Estácio de Sá.
Em parecer encomendado pelo Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, eles opinaram pelo cancelamento da norma. Os dois apontaram que o depoimento policial é “um dos pilares de sustentação das sentenças criminais condenatórias, especialmente nos delitos patrimoniais e nos ilícitos relacionados com o Direito Penal das drogas”.
A Súmula 70, destacaram eles, baseia-se na presunção de regularidade da atividade policial e das suas manifestações nos procedimentos administrativos e judiciais apuratórios de crimes. “Em razão do cargo, os agentes do Estado estariam resguardados pela fé pública e os seus depoimentos somente poderiam ser refutados se apresentadas provas que evidenciassem má-fé.” Porém, na América Latina, a regra é a violação, por ação ou omissão, da legalidade por parte de agentes dos sistemas punitivos, ressaltaram os professores.
Ao mesmo tempo em que os depoimentos de policiais recebem credibilidade exagerada, os de acusados, especialmente negros e pobres, são desvalorizados, fazendo com que eles sofram “injustiça epistêmica”, avaliaram os pareceristas. A injustiça epistêmica ocorre quando um ouvinte, por preconceito, atribui a um falante um nível de credibilidade que não corresponde às evidências de que ele esteja falando a verdade, conforme conceito formulado pela filósofa Miranda Fricker.
Decisões do STJ
O STJ vem consolidando o entendimento de que condenações criminais não podem ser exclusivamente fundamentadas em depoimentos de policiais.
Por avaliar que houve violação do direito ao silêncio e uma série de injustiças decorrentes da origem social do acusado, a 6ª Turma da corte superior absolveu, em junho de 2023, um jovem que foi condenado por tráfico de drogas apenas com base no depoimento de policiais que fizeram a prisão em flagrante (Recurso Especial 2.037.491)._
Causar acidente de trânsito fatal e fugir é homicídio doloso, diz juiz
Fugir do local de um acidente de trânsito fatal sem prestar socorro caracteriza homicídio doloso e gera pena de reclusão fechada. Com esse entendimento, o juiz Alexandre Sormani, da 1ª Vara Federal de Marília (SP), condenou dois homens por homicídio doloso qualificado e contrabando em razão do envolvimento em um acidente de trânsito ocorrido em agosto de 2017, que resultou na morte de uma mulher e lesões em seu marido.
Freepikcarro após batida
Homem que fugiu após causar acidente de trânsito fatal foi condenado por homicídio
O réu colidiu com o carro do casal e invadiu um estabelecimento comercial. Depois disso, ele abandonou o carro. A polícia encontrou o veículo, que tinha uma carga de cigarros contrabandeados. Com essa informação, o réu ficou entre os suspeitos. A investigação chegou até ele graças ao seu material genético encontrado no airbag do veículo.
O outro réu fazia a escolta da carga. Ele também foi condenado, mas não teve envolvimento direto no acidente, porque estava em outro veículo.
O réu que causou o acidente recebeu a pena de 18 anos e 15 dias de reclusão em regime inicial fechado. O batedor da carga foi condenado a 2 anos e 3 meses de reclusão em regime inicial semiaberto.
O motorista que causou o acidente confessou ser o condutor do veículo durante o interrogatório em plenário. O outro réu admitiu ter atuado como batedor de carga de cigarros contrabandeados. Diante disso, eles receberam os atenuantes de pena previstos no Código Penal. O magistrado também determinou a execução imediata das prisões.
“Levando-se em conta a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, o Supremo Tribunal Federal compreende que é possível a execução imediata da pena privativa de liberdade, independente do trânsito em julgado, pois não haverá possibilidade de revisão recursal quanto ao mérito julgado pelo Conselho de Sentença, eis que as Cortes somente poderão analisar questões acessórias à condenação, questões essas que sejam atribuídas ao Juiz Presidente. Nessa linha de ideias, estabeleceu-se o seguinte precedente: ‘A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada.’ (Tema 1068 STF)”, escreveu o juiz._
Supressão do artigo 19 terceiriza culpa por conteúdos criminosos
No julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal, sobre a ampliação da responsabilidade das chamadas “redes sociais”, falta um personagem na história. O debate se concentra em quem indexa ou reproduz conteúdo — o que abstrai ou minimiza a culpa dos caluniadores e autores das ofensas.
A mera exclusão do artigo 19 do Marco Civil da Internet não mata o mal na raiz. Pior: terceiriza a responsabilidade que deve ser, principalmente, de quem dá causa aos crimes. O principal alvo, em caso de ofensas a direitos, é o seu autor — que deve ser chamado à lide. Afinal, se o conteúdo ilícito é suprimido na origem, não haverá como indexá-lo.
Evidente que, em casos óbvios que se relacionem a delitos gravíssimos, como pedofilia, atentados contra a democracia, racismo, tráfico de drogas e conexos, a própria plataforma deve providenciar a supressão. Mas, para casos menos evidentes, o juiz é o agente adequado para decidir.
FreepikDebate se concentra em quem indexa ou reproduz conteúdo — o que abstrai ou minimiza a culpa dos caluniadores e autores das ofensas
Debate se concentra em quem indexa ou reproduz conteúdo — o que abstrai ou minimiza a culpa dos caluniadores e autores das ofensas
Caso contrário, se delegará a empresas privadas funções de Estado. E cabe ao Estado reprimir e punir com rigor os detratores que, não raro, ofendem, desmoralizam e achincalham pessoas por encomenda. Ou seja: por dinheiro.
Culpados absolvidos
São diversas as situações em que autores de calúnias, injúrias e difamações são eximidos de responsabilidade. O maior lote de notícias fraudulentas da história do Brasil se deu nos anos áureos do esquema que se apelidou de “lava jato”.
Esse caso é paradigmático para dar contexto ao julgamento no STF. Agentes públicos, como delegados, procuradores e juízes, deflagraram uma campanha sem quartel contra empresas, empresários e ministros do STF.
Com a cumplicidade da imprensa, montou-se uma agência de notícias falsas. Empresas foram à falência. Os ministros passaram a ser perseguidos e ameaçados. O mutirão criminoso emparedou o STF para sustentar o falso movimento de “combate à corrupção”.
Ao final, viu-se que o verdadeiro objetivo do esquema não era identificar culpados e levá-los a condenações. Tratava-se de um projeto de poder. Foram as engrenagens dessa grande agência de publicidade que levaram ao Planalto e ao Congresso uma leva de oportunistas.
Responsabilizar quem indexou esse tipo de conteúdo tem dois efeitos: condena o autor errado e absolve os malfeitores — o que acaba por estimular a repetição dos delitos, que já são fabricados em escala industrial.
Os direitos fundamentais são cláusulas pétreas e as redes devem investir um pouco do que ganham no zelo quanto ao que difunde. Mas isso não tira dos ombros do espaço de origem a sua culpa.
O voto do ministro Dias Toffoli segue a clara estratégia de radicalizar o raciocínio para jogar luzes no debate e propiciar reflexão que leve ao caminho do meio. Atenuar a prepotência das empresas que estão perto de governar o planeta. Há um oceano de exemplos de abusos a exigir regras.
Gol contra
A atribuição de responsabilidade por meio do sistema judicial é sempre necessária para casos mais complexos — aspecto em que o artigo 19 é inatacável. Mas há situações nebulosas em que delegar a uma plataforma a incumbência de juiz ou polícia não atende o interesse público.
Outro exemplo de situação foi a Resolução 23.732 do Tribunal Superior Eleitoral. Feita às pressas e sem exame de impacto, estabeleceu que entrevistas que mencionassem projetos de leis configuram propaganda eleitoral.
Para proteger-se, o Google seguiu a regra de forma literal e vetou a difusão, por sua via paga, de entrevistas que mencionassem, por exemplo, a reforma tributária.
Mesmo colidindo com o interesse público, configurou-se situação exemplar de caso em que a delegação do ato de “julgar” às plataformas mostrou-se nociva.
Novamente: não foi a plataforma que deu causa ao mal-entendido e só deve responder subsidiariamente — e não em primeiro lugar, caso haja ofensa a direito. O primeiro a ser acionado deverá ser sempre o autor dos crimes contra honra ou o que se assemelhe.
O debate ganhará mais sentido se houver mais empenho na identificação e punição (exemplar) dos criminosos que, muitas vezes por dinheiro, destroem reputações e colocam as vidas de inocentes em perigo._
Advogado predatório responde junto de cliente por ligitância de má-fé, decide juiz
O advogado deve assumir solidariamente o ônus da condenação de um cliente por ligitância de má-fé na circunstância em que houver indícios concretos de que ele atuou de maneira predatória.
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Advogado condenado protocolou petições idênticas ao ajuizar ações contra o banco
Com esse entendimento, o juiz Luiz Antônio Campos Júnior, da 1ª Vara Cível de Jundiaí (SP), condenou um advogado, junto de uma cliente, a indenizar um banco. Ele ainda ordenou que os autos sejam remetidos ao Tribunal de Ética e Disciplina da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, para apurar a conduta do causídico.
A cliente ajuizou uma ação contra o banco alegando que teria passado a sofrer descontos indevidos na aposentadoria, após a contratação não requisitada de um cartão de crédito consignado, com juros abusivos.
A instituição financeira provou, no entanto, que a contratação foi consentida pela cliente mediante contrato com condições claras. O cartão vinha sendo utilizado por ela e operava com taxas de juros adequadas.
Advocacia predatória
O banco destacou que o mesmo advogado autor da ação havia ajuizado várias outras semelhantes nos meses anteriores. O juiz da causa reconheceu ter identificado mais de mil no site do Tribunal de Justiça de São Paulo, com petições padrozinadas e informações genéricas, sem consideração das especificidades de cada caso.
“A prática é favorecida pela captação de clientes dotados de algum grau de vulnerabilidade, os quais podem ou não deter conhecimento acerca do ingresso da ação, e pelo uso de fraude, falsificação ou manipulação de documentos e omissão de informações relevantes, com nítido intento de obstaculizar o exercício do direito de defesa e potencializar os pleitos indenizatórios”, escreveu o magistrado, ao descrever o modus operandi do advogado.
O juiz registrou, ainda, que, das várias ações ajuizadas, o advogado obtém ganhos em uma ou outra em decorrência de revelia ou de deficiência na atuação defensiva. “Entre as derrotas e vitórias, os advogados predadores sustentam a atividade inescrupulosa, fazendo da atuação ilegítima um verdadeiro meio de vida e de enriquecimento rápido.”
Em razão disso, o advogado e a cliente terão de indenizar o banco em 20% sobre o valor da causa. O magistrado também determinou o envio da sentença ao Núcleo de Prevenção e Mediação de Conflitos (Nupomede), do TJ-SP, a fim de que sejam identificadas demandas idênticas e as implicações delas no Judiciário._
No caso do TikTok, corte dos EUA decide que a segurança nacional se sobrepõe à liberdade de expressão
Na decisão que manteve intacta a lei que colocou o TikTok em uma situação de “ou dá ou desce” — isto é, ou vende a plataforma a investidores não chineses ou é banida dos EUA —, o Tribunal Federal de Recursos no Distrito de Colúmbia se fundamentou essencialmente na tese de que a segurança nacional se sobrepõe à liberdade de expressão.
Essa foi a principal alegação do Departamento de Justiça (DOJ): a de que o governo dos EUA tem a autoridade para banir o TikTok em face do risco que oferece à segurança nacional. Segundo o DOJ, a ByteDance, empresa controladora do TikTok, pode ser pressionada pelo governo da China a expor dados dos usuários americanos ou influenciar o que eles vão ver na plataforma.
O DOJ alegou também que o fato de a rede social ser de propriedade de uma empresa estrangeira exclui seu direito à liberdade de expressão garantida pela Primeira Emenda da Constituição. E que o caso apresentado contra o TikTok não envolve essa questão.
Anatoliy Sizov/istock
EUA alegam que TikTok é o único aplicativo controlado por uma nação estrangeira adversária
Os advogados do TikTok apresentaram três argumentos. Um de que a “Lei de Proteção aos americanos contra aplicativos controlados por adversários estrangeiros” (Protecting Americans from Foreign Adversary Controlled Applications Act), promulgada em abril, viola a liberdade de expressão de 170 milhões de usuários.
Outro argumento foi o de que o TikTok instalou um firewall que impede a ByteDance de acessar os dados dos usuários no país. Chamada de “Projeto Texas”, essa iniciativa de segurança roteia todos os dados dos usuários para um ambiente de nuvem da Oracle, em Austin, capital do Texas. Além disso, nenhuma autoridade dos EUA ofereceu, até agora, qualquer prova de que os chineses tenham tido acesso a esses dados.
O terceiro argumento é o de que o governo americano está atacando apenas um canal de mídia social, o TikTok, entre todos os que estão disponíveis no mercado. Segundo os advogados, isso configura um caso de discriminação entre mídias e usuários, e caracteriza, portanto, uma violação da 5ª Emenda, que garante igualdade perante a lei.
O colegiado de três juízes do tribunal federal de recursos (dois conservadores e um liberal) rejeitou a alegação do DOJ de que o caso não envolve a questão da liberdade de expressão. Porém, “há precedentes jurídicos sustentando que preocupações com a segurança nacional neutralizam considerações sobre liberdade de expressão”.
O juiz liberal destacou, em voto separado, que, “se o caso envolvesse apenas uma empresa doméstica, haveria sérias preocupações sobre a Primeira Emenda”. A decisão unânime dos três juízes, porém, apresentou uma visão peculiar: “Nesse caso, o governo agiu somente para proteger essa liberdade contra uma nação estrangeira adversária”.
Em nome da segurança nacional
Para o tribunal, “o governo ofereceu duas justificativas para agir em nome da segurança nacional: 1) Se opor aos esforços da República Popular da China (RPC) de coletar grandes quantidades de dados de dezenas de milhões de americanos; 2) Limitar a capacidade da RPC de manipular conteúdo secretamente na plataforma do TikTok”.
“A primeira justificativa não se refere ao conteúdo da expressão ou reflete discordância com uma ideia ou mensagem”, diz a corte. “No entanto, a explicação do governo sobre a segunda justificativa se refere ao conteúdo da expressão do TikTok. O governo invoca, especialmente, o risco de a RPC manipular o conteúdo que o usuário americano recebe, interferir em nosso discurso político e promover conteúdo alinhado com os interesses da RPC.”
“De fato, o governo identifica um tema específico — a relação de Taiwan com a RPC — como um potencial ponto de conflito significativo, que pode ser objeto das operações de influência da RPC, e identifica outros tópicos de importância para a RPC”, diz a decisão.
A corte declarou, ainda, que, no julgamento do mérito, rejeita as alegações dos peticionários de violação de dispositivos constitucionais. A lei não viola a Primeira Emenda, que garante a liberdade de expressão, nem a Quinta Emenda, que garante a igualdade perante a lei.
A menção da Quinta Emenda se deve ao fato de o governo atacar apenas o TikTok, entre todas as plataformas de mídia social que operam no país. A justificativa, segundo a corte, é a de que “o TikTok é, até agora, a única plataforma de sua espécie a ser designada pelos poderes políticos como um aplicativo controlado por uma nação estrangeira adversária”.
“Por isso e pela ameaça à segurança nacional, não é surpresa que o Congresso tenha decidido impor restrições somente ao TikTok. Concluímos que a lei é consistente com as exigências de igualdade perante a lei”, declaram os juízes.
Próximos eventos
Apesar da decisão contundente do colegiado do tribunal federal de recursos, muita água deve ainda passar debaixo da ponte. O TikTok poderá, em primeiro lugar, recorrer ao tribunal pleno da corte. Essa será uma iniciativa que não lhe dá muita esperança de sucesso, porque a decisão foi unânime e “bipartidária”. Mas tomará tempo. E levará o caso para além — ou para perto — da data de 19 de janeiro, quando termina o prazo para o TikTok desinvestir. Nesse caso, o presidente poderá estender o prazo em 90 dias.
Perdida a causa, o TikTok vai recorrer à Suprema Corte, com maior esperança de sucesso, segundo o porta-voz da plataforma, Michael Hughes: “A Suprema Corte tem um registro histórico estabelecido de proteger o direito à liberdade de expressão e esperamos que vá fazer exatamente isso ao julgar essa importante causa constitucional”.
Nesse meio tempo, o TikTok espera que o presidente eleito Donald Trump cumpra a promessa de campanha de salvar a plataforma. Em seu primeiro mandato, Trump liderou as tentativas de banir o TikTok, mas ele concluiu que a Meta, dona do Facebook, Instagram, etc. (e principal beneficiária da derrocada do TikTok), contribuiu para sua derrota nas eleições de 2020. E mudou de ideia.
Agora, se especula sobre três possibilidades: 1) Trump poderá persuadir o Congresso, que estará nas mãos do Partido Republicano, a revogar a lei; 2) poderá ordenar a seu novo procurador-geral que não execute a lei; 3) poderá declarar que a ByteDance satisfez a lei, por ter realizado um “desinvestimento qualificado” do TikTok.
Mas, recentemente, tal promessa pareceu abalada, depois que Trump recebeu o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, para um jantar em sua residência oficial no clube de Mar-a-Lago, em Palm Beach, na Flórida.
Aplicação da Selic a dívidas civis anteriores à nova lei é contestada
A Lei 14.905/2024 definiu que, quando a taxa de juros moratórios (aplicados por atrasos em pagamentos) não estiver prevista no contrato, a correção de dívidas civis deve ser feita pela aplicação da Selic menos o IPCA (ou outro índice previsto em eventual lei específica). Mas a norma só vale a partir de agosto deste ano. Diante do julgamento de março, em que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu apenas a Selic como taxa de correção, a possibilidade de rediscussão de casos anteriores a isso gera dúvidas e contestações.
FreepikMulher manuseando calculadora
Pedido de modulação de decisão esvaziada pela lei busca evitar aplicação da Selic a dívidas já corrigidas
Ao alterar o Código Civil e padronizar a fórmula de correção das dívidas civis, a Lei 14.905/2024 esvaziou a tese da Corte Especial do STJ para casos futuros. Mas, no final de outubro, representada pelo escritório Leonardo Amarante Advogados Associados, a autora da ação levada ao colegiado pediu a modulação dos efeitos da decisão, para impedir sua aplicação aos casos em que já houve atualização monetária ou levantamento de valores.
A banca argumenta que a coisa julgada deve ser respeitada. Por outro lado, há quem entenda que a modulação seria injusta e que a revisão dos valores desses casos deve acontecer. Outra corrente considera que a modulação sequer é possível, devido à falta de mudança na jurisprudência do STJ.
Modulação
Em embargos de declaração, a autora e o escritório alegam que a Corte Especial não tratou dos efeitos de sua decisão quanto às ações nas quais já foi definida a forma de atualização monetária do débito ou já houve levantamento dos valores. “A depender da modulação a ser prestada, poderá haver complicado cenário de devolução de montantes legalmente recebidos por força de título executivo judicial, violando-se a coisa julgada”, diz a petição.
Dentre outras coisas, eles pedem que o colegiado preserve o que já foi decidido de forma definitiva nesses casos antes da nova lei e todos os pagamentos já efetuados (ainda que sem trânsito em julgado), mesmo que isso contrarie a decisão de março.“Do contrário, haverá verdadeiro caos no Poder Judiciário, com o reexame de matéria já decidida (e protegida pela coisa julgada) em milhões de processos no país inteiro, violando-se uma série de normas e princípios constitucionais”, assinalam.
De acordo com o advogado Thiago de Mello Almada Rubbo, que atua com contencioso cível no GHBP Advogados, sem a modulação, ações rescisórias podem levar à devolução, anos depois, de parte dos valores já levantados, já que a aplicação da Selic garantiria um montante menor.
A ideia é que os devedores podem ser, em tese, beneficiados com o cálculo por meio da Selic. Isso pode estimular um aumento de ações com o objetivo de aplicar tal taxa, indica Rubbo.
Um dos principais argumentos dos embargos é que tribunais de todo o país não corrigiam dívidas civis pela Selic. A alternativa mais comum era impor juros de 1% ao mês, mais correção monetária por algum índice à escolha da corte (entre IPCA, IGP-M, INPC e outros).
O escritório apresentou à Corte Especial diversos precedentes recentes de, pelo menos, nove tribunais estaduais que aplicaram essa lógica. No julgamento de março, o ministro Luis Felipe Salomão, que foi divergência vencida, apontou precedentes do próprio STJ neste sentido.
“Demonstrou-se que parte considerável dos magistrados de todo o país — a maioria, certamente — costumava aplicar índice diverso àquele definido por força do julgamento deste REsp, de modo que é certo que há uma enormidade de casos concretos em que a taxa Selic não foi adotada”, diz outro trecho da petição dos embargos.
“A coisa julgada tem que ser preservada. Se não, vai haver uma avalanche de processos”, diz o advogado Leonardo Amarante, que assina a petição. Segundo ele, se a modulação não for feita, “todo mundo vai fazer uma ação rescisória”, nos casos em que ainda não tenha se encerrado o prazo legal de dois anos a partir do trânsito em julgado.
Amarante explica que o pedido de modulação busca solucionar situações consolidadas, mas que ainda estão dentro do prazo de ação rescisória; execuções em cumprimento de sentença em andamento, com determinação de aplicação de juros de 1% mais correção monetária; e casos em que a sentença com trânsito em julgado não foi clara em relação ao índice aplicável e deixou dúvidas. Ainda segundo ele, muitas partes e advogados estão aguardando uma definição quanto a essa possível modulação para prosseguirem com acordos nesses casos.
Rubbo acrescenta que muitas questões ainda não foram respondidas, mesmo com a nova lei, “especialmente sobre a aplicação da taxa em casos em que os juros de mora têm incidência em data anterior ao termo inicial da correção monetária”.
Movimento natural
O advogado civilista Sérgio Niemeyer concorda que a decisão da Corte Especial vai causar “um certo afluxo” de ações rescisórias. Mas ele acredita que isso deve acontecer para trazer estabilidade. Niemeyer considera que as partes têm mesmo de pedir as “revisões necessárias” dos juros cobrados e pagos. “Quem pode fazer ação rescisória faz. Quem pode fazer ação anulatória faz. Quem estiver em fase de execução já pede a revisão”, aponta.
Ele ressalta que, segundo precedentes de turmas do STJ (AREsp 1.598.962 e REsp 2.004.691, por exemplo), juros moratórios não estão sujeitos “nem à preclusão nem à coisa julgada”. Ou seja, eles podem ser revistos pelo magistrado de ofício, até mesmo na fase de execução.
O advogado não vê motivos para a modulação. Ele lembra que o caso julgado pela Corte Especial é de 2014. Assim, a modulação esbarraria “em uma dificuldade de ordem racional”: a Selic se aplicaria a este processo, mas não a outras ações propostas na mesma época, ou mesmo depois, e já julgadas.
“Pessoas na mesma situação de fato e de direito não poderiam ter a revisão das suas contas”, pontuou. Ou seja, as partes desses processos não poderiam revisar os valores estipulados, somente porque seu julgamento foi mais rápido.
Na visão de Niemeyer, isso é injusto, até porque a demora na ação de 2014 pode ter ocorrido justamente devido à discussão na Corte Especial.
Obstáculos
Conforme o Código de Processo Civil, a modulação dos efeitos de uma decisão pode ocorrer somente em julgamentos de casos repetitivos ou na hipótese de alteração da jurisprudência dominante dos tribunais superiores.
A advogada Maricí Giannico, sócia do Mattos Filho que atua com contencioso cível, lembra que o julgamento de março da Corte Especial não é repetitivo. Por isso, “não tem eficácia vinculante”. De acordo com Giannico, os embargos partem do pressuposto de que o colegiado precisa dar uma orientação temporal ao tema — o que, para ela, não é necessário em um julgamento não repetitivo.
Niemeyer acredita que o assunto será julgado como repetitivo quando começarem a ser propostas as ações de revisão. Aí, sim, na sua visão, será necessário consolidar a tese.
Amarante defende que “efetivamente ocorreu” em março deste ano uma “alteração do entendimento jurisprudencial dominante” do STJ, o que autorizaria a modulação. Ele ainda ressalta que o caso “influenciará milhões de causas cíveis”, pois, uma vez submetido ao exame da Corte Especial, vincula as turmas do STJ e todos os tribunais brasileiros.
Mas há quem não veja o julgamento de março como uma inovação no tema da atualização das dívidas civis. Segundo essa corrente, a decisão é apenas uma reafirmação do posicionamento histórico do STJ. Isso porque a Corte Especial passou a adotar a Selic em 2008 (EREsp 727.842). Essa decisão foi seguida em diversos outros julgamentos posteriores.
Rubbo destaca que, desde 2015, o CPC prevê “a obrigatoriedade de se observar a tese jurídica definida pelo Plenário ou Órgão Especial dos tribunais superiores”. Ou seja, em tese, “a taxa Selic já deveria ter sido observada”.
Maria Cristine Lindoso, advogada associada da área de tribunais superiores do Trench Rossi Watanabe, lembra que, em um julgamento de recurso repetitivo em 2010 (REsp 1.111.117), a Corte Especial já confirmou a Selic como a taxa de correção das dívidas civis.
“Quer dizer que, desde 2010, os litigantes que pedem a aplicação da taxa Selic costumam ter êxito perante o STJ”, discorre. “Assim, não faria muito sentido discutir a modulação de efeitos para evitar demandas novas se a questão já é passível de debate há anos.” Giannico concorda e ressalta que esse precedente é vinculante.
“Há algum tempo, o STJ vem decidindo que a taxa referencial Selic é a taxa que deve ser aplicada nos débitos fiscais”, complementa Niemeyer. “E não faz sentido que não seja também nas obrigações civis. Então, o tribunal não mudou drasticamente nenhuma jurisprudência.”
Segundo ele, os “advogados atentos” já deveriam saber dessa orientação do STJ. “Quem não discutiu isso não fez por conveniência. Agora, vai poder fazer a revisão, ou vai sofrer a consequência de não ter feito”.
Por outro lado, Giannico não vê possibilidade de rediscussão de valores já corrigidos. Diferentemente do advogado, ela cita precedentes de turmas do STJ contrários à modificação da taxa de juros moratórios na fase de execução — como o AREsp 2.173.347, no qual a 4ª Turma considerou que isso viola a coisa julgada._
Pedido informal de dados do Coaf viola direitos e jurisprudência de STF e STJ
As comunicações entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e integrantes do Ministério Público ou da polícia só podem ser feitas por meios formais, conforme determina a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Mesmo assim, a troca informal de dados entre órgãos continua frequente, o que viola direitos dos cidadãos e diminui a qualidade das investigações, segundo especialistas no assunto ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Em depoimento prestado a senadores na Comissão Parlamentar de Inquérito das Bets, em 26 de novembro, o delegado de Polícia Civil do Distrito Federal Erik Salum explicou que, em grandes investigações, autoridades policiais falam diretamente com servidores do Coaf.
“O Coaf gera o relatório de inteligência financeira (RIF) automaticamente se tiver até 800 comunicações. Se tiver acima de 800 comunicações, o sistema automático trava, de tanta comunicação que é. Aí o delegado precisa ligar (para o Coaf) e falar: ‘Olha, me dá uma ajuda aqui, me direciona, para eu tentar selecionar o que você quer’.”
Comunicação ilegal
Os especialistas ouvidos pela ConJur dizem que esse tipo de comunicação direta entre delegado e analista do Coaf é ilegal. O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), ressalta que o Plenário do STF já deixou claro que qualquer comunicação entre autoridades e Coaf deve ser formal e pelos meios institucionais existentes (Recurso Extraordinário 1.055.941). “Os ministros foram taxativos em rechaçar pedidos informais de dados”, disse o advogado.
Na ocasião, o STF aprovou a seguinte tese (Tema 990 de repercussão geral):
1) É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF (Unidade de Inteligência Financeira, nome antigo do Coaf) e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional;
2) O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
De acordo com Bottini, é preciso aprovar com urgência um marco legal para o tratamento de dados no campo da segurança pública. “As lacunas que hoje existem geram insegurança para os cidadãos e para as autoridades, que têm dificuldade para definir suas estratégias de atuação diante de regras imprecisas e interpretadas de maneira contraditória pelo Judiciário.”
Os advogados André Callegari e Marília Fontenele, professores de Direito Penal do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), também apontam que não é legítimo o compartilhamento de RIF pelo Coaf com delegados antes da instauração do inquérito, mesmo que já exista procedimento preliminar para apuração de suposto crime. Isso de acordo com jurisprudência recente da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (Recursos em Habeas Corpus 188.838 e 187.335 e Reclamação 70.191).
“Em seu novo posicionamento, o STJ entende que, embora o procedimento prévio de apuração tenha alguma formalidade, ele não preenche — e esse é o ponto nevrálgico — o requisito de investigação formal utilizado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 990 para autorizar o compartilhamento de informações”, destacam Callegari e Marília.
Os criminalistas ressaltam que a regulamentação do uso da notícia de fato, feita pelo Conselho Nacional do Ministério Público por meio da Resolução 147/2017, reforça essa conclusão. A norma estabelece que, ao receber a notícia de fato, o membro do MP pode colher informações preliminares imprescindíveis para deliberar sobre a instauração do procedimento próprio, sendo vedada a expedição de requisições.
“Ora, se o Ministério Público não pode, em notícia de fato, fazer requisições, a autoridade policial, por óbvio, que serve apenas para municiar o titular da ação penal, não poderá requisitar informações ao Coaf”, avaliam os advogados.
Confusão jurisprudencial
Na visão do advogado Alberto Zacharias Toron, professor de Direito Processual Penal da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), as recentes alterações na jurisprudência do Supremo tornaram o cenário da requisição direta de RIF ao Coaf por delegados “uma espécie de festa do caqui”.
“É possível fazer uma verdadeira pescaria — isso que os americanos chamam de fishing expedition — simplesmente prospectando dados. O delegado tem uma suspeita, pede um RIF e a partir daí inicia a investigação. Isso viola direitos básicos do cidadão quanto à sua intimidade. E só poderia ser feito pela via judicial.”
O STF decidiu, em 2019, que o Coaf pode enviar essas informações de ofício. Hoje, a corte está dividida quanto à possibilidade de polícias e Ministério Público fazerem uma requisição dessas informações. A 1ª Turma entende que esse compartilhamento é válido, sem qualquer necessidade de passar por controle prévio do Judiciário. Já a 2ª Turma diz que o envio de informações depende de autorização do juiz competente.
“Ao se estabelecer a possibilidade de o delegado requisitar ou pedir RIF diretamente, adentra-se um campo da informalidade onde tudo é possível, inclusive pesquisar inimigos e autoridades politicamente expostas, como já se tentou fazer no passado. É por isso que eu penso que o Supremo deve rever a sua jurisprudência, na linha do que tem decidido a 2ª Turma”, analisa Toron.
Efeitos da divergência
A divergência entre as turmas do STF reverbera com força no Superior Tribunal de Justiça. A princípio, a corte interpretou o compartilhamento de “RIFs por encomenda”, sem prévia autorização judicial, como ilícito, orientação que já varia por causa do Supremo.
O impacto disso não é baixo. Em dez anos, o Coaf aumentou em 1.339,4% o número de RIFs produzidos por iniciativa das Polícias Civil e Federal e do Ministério Público. Em 2023, o órgão elaborou e entregou uma média de 38 relatórios por dia.
Presidente do Coaf, Ricardo Liáo disse à ConJur que esse embate exige que o Supremo estabeleça quais são os requisitos mínimos, máximos ou básicos a serem observados nas demandas oriundas das autoridades de investigação.
O risco, conforme apontado por especialistas, é que Coaf e Receita se tornem repositórios de informações e permitam a prática de pesca probatória (fishing expedition)._
Juiz condena trabalhador a pagar multa por litigância de má-fé por mentir sobre dispensa
O juiz Jorge Antonio dos Santos Cota, da Vara do Trabalho de Itatiba (SP), decidiu condenar um trabalhador a pagar multa por litigância de má-fé mesmo ele tendo recebido o benefício da Justiça gratuita.
Na ação, o trabalhador pedia o reconhecimento da nulidade de seu pedido de demissão, com reversão para rescisão de contrato sem justa causa, por iniciativa da empresa.
No decorrer do processo, contudo, a empresa conseguiu comprovar que o ex-empregado tinha pedido demissão por ter sido contratado por outra empresa. Ao decidir, o magistrado apontou a improcedência do processo e aplicou multa ao empregado por litigância de má-fé.
Além de mentir sobre a suposta dispensa por justa causa, o ex-funcionário também fez falsas acusações à empresa, além de agir de modo temerário para alterar a verdade dos fatos no decorrer do processo.
“Com arrimo no artigo 791-A, caput e parágrafo 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho, com a redação dada pela ADI número 5766, do Excelso Supremo Tribunal Federal, condeno o(a) Reclamante a pagar ao patrono do (a) Reclamado(a) honorários sucumbenciais arbitrados em 10% (dez por cento) incidente sobre o valor atribuído à causa, ora fixados em R$ 5.534,38 (cinco mil, quinhentos e trinta e quatro reais e trinta e oito centavos)”, registrou ao condenar o trabalhador.
Atuou em favor da empresa o advogado Fernando Molino, sócio do escritório LDG Advogados. _
Novidades na admissibilidade do recurso de revista
Faltando pouco menos de um mês para o recesso forense, uma nova resolução editada pelo Plenário do Tribunal Superior do Trabalho (TST) alterou a sistemática recursal trabalhista com o intuito de evitar que decisões contrárias à jurisprudência vinculativa daquela Corte de Vértice sejam proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs).
Trata-se da Resolução nº 224, de 25 de novembro de 2024 [1], que ao modificar a Instrução Normativa n° 40, de 15 de março de 2016 [2], passou a dispor, de forma inédita, sobre nova hipótese de cabimento de agravo interno em caso de admissibilidades negativas de recursos de revistas pelos TRTs. É importante ressaltar que tais novidades procedimentais trazidas por essa resolução administrativa já passarão a viger para as decisões de admissibilidade recursal publicadas a partir de 28 de dezembro de 2024.
Por certo, considerando que este assunto irá impactar toda a advocacia trabalhista para o ano de 2025, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista desta ConJur [3], razão pela qual agradecemos o contato.
Lição de especialista
De início, quanto à classificação recursal no âmbito do processo do trabalho, oportunos são os ensinamentos do Professor Mauro Schiavi [4]:
“Os recursos extraordinários não se destinam à correção dos erros de procedimento ou de julgamento, tampouco a justiça da decisão. Eles têm por objetivo a uniformização da interpretação da legislação Constitucional e Federal no âmbito da competência da Justiça do Trabalho.
No processo do trabalho, são de natureza extraordinária, os seguintes recursos: recurso de revista (art. 896, da CLT) e o recurso de embargos para o TST (art. 894, da CLT e da Lei 7.701/88).
Embora não seja um recurso trabalhista propriamente dito, o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (art. 102, III, da CF) tem natureza extraordinária e também se destina a impugnar decisões de única ou de últimas instâncias proferidas pelos Tribunais Trabalhistas.”
Legislação trabalhista
Do ponto de vista normativo, o artigo 893 [5] e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) traz um capítulo específico de recursos, tratando expressamente, dentre outros apelos, do recurso de revista e do agravo de instrumento. Como se sabe, em razão de sua natureza extraordinária, o recurso de revista é demasiadamente técnico, tendo em vista que o principal papel do TST é de buscar a uniformização da jurisprudência trabalhista, de modo que para sua prévia admissibilidade pelos Tribunais Regionais se faz necessária a observância rigorosa de certos pressupostos processuais.
Para tanto, imprescindível o cumprimento de duas etapas: i) o Tribunal Regional local irá verificar se o recurso de revista atende aos pressupostos legais mínimos, para que seja dado seguimento ao apelo, para que haja o seu julgamento pela Corte Superior; e ii) se a Corte local entender que o apelo não apresenta tais pressupostos processuais, o recurso de revista terá então obstado o seu seguimento, de modo que contra essa decisão denegatória tradicionalmente a parte se valia da figura do agravo de instrumento, que é um recurso próprio para o destrancamento em particular da revista.
Dados estatísticos
A propósito, das decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho que denegam seguimento aos recursos de revistas, aproximadamente 93,88% são confirmadas pelo Tribunal Superior do Trabalho de acordo com um relatório disponibilizado em outubro de 2023 [6]. Aliás, recentemente, o TST inaugurou a Secretaria de Admissibilidade Recursal, que integra a Secretaria-Geral de Gestão de Processos, visando justamente reduzir o volume de processos por meio do mapeamento de temas que chegam àquele tribunal [7].
Resolução nº 224, de 25 de novembro de 2024
A partir desta nova resolução, no caso de o TRT não admitir (parcial ou totalmente) o recurso de revista, diferentemente do que acontecia até então quando se exigia apenas a interposição do recurso de agravo de instrumento, doravante serão adotadas medidas diversas, nos termos do artigo 1º-A:
“Art. 1°-A Cabe agravo interno da decisão que negar seguimento ao recurso de revista interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, exarado nos regimes de julgamento de recursos repetitivos, de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência, de acordo com os arts. 988, § 5°, 1.030, § 2°, e 1.021 do CPC, aplicáveis ao processo do trabalho, conforme art. 896-B da CLT.
1º Havendo no recurso de revista capítulo distinto que não se submeta à situação prevista no caput deste artigo, constitui ônus da parte impugnar, simultaneamente, mediante agravo de instrumento, a fração da decisão denegatória respectiva, sob pena de preclusão.
2º Na hipótese da interposição simultânea de que trata o parágrafo anterior, o processamento do agravo de instrumento ocorrerá após o julgamento do agravo interno pelo órgão colegiado competente.
3º Caso o agravo interno seja provido, dar-se-á seguimento, na forma da lei, ao recurso de revista quanto ao capítulo objeto da insurgência; na hipótese de o agravo interno ser desprovido, nenhum recurso caberá dessa decisão regional.
4º As reclamações fundadas em usurpação de competência do Tribunal Superior do Trabalho ou desrespeito às suas decisões em casos concretos (CPC, art. 988, I e II) não se submetem ao procedimento estabelecido neste artigo, conforme expressa disposição do § 5º, II, do art. 988 do CPC.
5º As disposições contidas neste artigo aplicam-se às decisões de admissibilidade publicadas a partir do 30º dia após o início de sua vigência, que deverá ocorrer na data da publicação.”
Observe-se que, a partir do dia 28 de dezembro de 2024, se o recurso de revista não for admitido, mas a decisão regional atacada estiver em plena conformidade com a jurisprudência vinculante do TST — representada pelos precedentes proferidos nos julgamentos de incidentes de recursos repetitivos (IRR), de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e de assunção de competência (IAC) —, o novo recurso cabível será agora o de agravo interno, cujo julgamento será feito pelo próprio TRT, em órgão colegiado competente que, na ausência de previsão regimental, se entenderá pelo Plenário do TRT.
E após ser proferido julgamento pelo órgão colegiado competente do agravo interno, com a manutenção da decisão de admissibilidade negativa do recurso de revista, nenhuma outra irresignação recursal, em tese, caberá dessa decisão regional, tornando o pronunciamento irrecorrível.
E se fala “em tese”, pois a própria Resolução nº 224/2024 fez questão de excepcionar o uso das reclamações direcionadas ao Tribunal Superior do Trabalho, as quais, por terem natureza de ação, e não de recurso, podem ser manejadas pela parte recorrente, seguindo a sistematização processual prevista no artigo 988 e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), caso persista o desrespeito à aplicação de precedente vinculativo do TST.
Em sentido oposto, para todas as demais hipóteses de admissibilidade negativa do recurso de revista pelos Tribunais Regionais, naturalmente fica mantido o uso do agravo de instrumento, na forma de sua regulamentação já prevista pela Instrução Normativa nº 40 do TST, de 15 de março de 2016.
Mais a mais, outra grande novidade trazida pela Resolução nº 224/2024 é a interposição simultânea de dois recursos de agravos, isto é, a partir do dia 28.12.2024, a depender do conteúdo da decisão denegatória, a parte terá que interpor agravo interno, para a fração em que o parâmetro de confronto seja uma temática inserida no sistema de precedentes vinculativos do TST, e de agravo de instrumento para os demais temas sob pena de preclusão.
Eventual equívoco na interposição dos recursos de agravos (interno e/ou de instrumento), por certo não será tido como erro justificado, não se aplicando aqui o princípio da fungibilidade recursal, conferindo-se inegável prejuízo à parte que não estiver adequadamente representada em juízo por advogado(a) ciente dos respectivos termos da atual resolução administrativa.
E neste novo cenário de interposição simultânea de agravos pela parte, o processamento do agravo de instrumento ocorrerá após o julgamento do agravo interno pelo órgão colegiado competente do TRT (leia-se, o Plenário do Tribunal Regional, salvo de houver futura previsão regimental em sentido oposto), isso para evitar que o processo não seja desmembrado.
De resto, impende destacar que, de acordo com o artigo 22, I, da Constituição [8], a competência privativa para legislar sobre o direito do trabalho é exclusiva da União, e, nesse sentido, a validade da Resolução nº 224, de 25 de novembro de 2024, poderá vir a ser objeto de discussão judicial junto ao Supremo Tribunal federal (STF).
Conclusão
A par do exposto, verifica-se que esta nova sistematização recursal é muito impactante para a advocacia trabalhista que lida diariamente perante os tribunais, lembrando ser praxe que a maioria dos recursos de revistas que chegam no TST, em Brasília, são originários de agravos de instrumentos.
Por isso que, em arremate, tal novidade eminentemente prática é por demais significativa, de sorte que o ano de 2024 se encerra trazendo um imenso desafio para todo o Poder Judiciário Trabalhista que terá, em tempo recorde, que se adaptar internamente para implementar tal metamorfose procedimental, exigindo da advocacia uma imediata atualização profissional.
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[1] Disponível aqui. Acesso em 02.12.2024.
[2]Disponível aqui. Acesso em 02.12.2024.
[3] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela Coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[4] Manual de Direito Processual do Trabalho – 17. Ed. ver., atual. e ampl. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. Página 932.
[5] Disponível aqui. Acesso em 03.12.2024.
[6] Disponível aqui. Acesso em 03.12.2023.
[7] Disponível aqui. Acesso em 03.12.2024.
[8] CF, Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho._
Ataque hacker não exclui responsabilidade por proteção de dados, diz STJ
O tratamento de dados pessoais configura-se irregular quando deixa de fornecer a segurança que o titular poderia esperar, consideradas as circunstâncias relevantes do caso.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça confirmou que a Enel tem responsabilidade pelo vazamento de dados não sensíveis de uma consumidora, após um ataque hacker.
O consumidor teve exposto nome completo, números de RG e CPF, endereço, endereço de e-mail e telefone. A ação foi ajuizada para cobrar indenização da empresa, que à época se chamava Eletropaulo.
A Enel, por sua vez, apontou que o ataque hacker é ato de terceiro apto a justificar a excludente de responsabilidade, conforme prevista no artigo 43, inciso III da Lei Geral de Proteção de Dados.
Quando analisou o caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a responsabilidade da empresa, mas não vislumbrou violação à dignidade humana da consumidora, já que os dados expostos não são sensíveis, mas de fácil acesso.
O TJ-SP afastou a condenação ao pagamento de indenização, mas impôs que a Enel apresentasse informação das entidades com as quais fez uso compartilhado dos dados, fornecendo declaração completa que indique sua origem, registro e critérios.
Responsabilidade existente
Essa obrigação é uma possibilidade que consta do artigo 19, inciso II da LGPD. Ao analisar o caso, o relator do recurso especial, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, decidiu manter as conclusões do tribunal de apelação.
Ele destacou que a Emenda Constitucional 115/2022 elevou a proteção de dados e inaugurou um novo capítulo sobre o tema no ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, explicou que a Enel, por se enquadrar na categoria dos agentes de tratamento de dados, tinha a obrigação legal de tomar todas as medidas de segurança esperadas para que as informações fossem protegidas em seus sistemas.
Isso significa atender a requisitos de segurança e padrões de boas práticas e governança, além de princípios gerais previstos na LGPD e nas demais normas complementares. A ocorrência do ataque hacker mostra uma falha da empresa.
“O tratamento de dados pessoais configura-se irregular quando deixa de fornecer a segurança que titular poderia esperar, consideradas circunstâncias relevantes do caso”, apontou. A votação na 3ª Turma foi unânime._
Tese do STJ sobre tráfico armado evita presunção de crimes autônomos
Ao estabelecer que o crime de posse de arma de fogo é absorvido pelo de tráfico de drogas se o uso do armamento tiver como objetivo garantir o sucesso da traficância, o Superior Tribunal de Justiça evita a presunção de que crimes autônomos estejam ocorrendo.
Essa posição é importante para evitar a excessiva penalização dos traficantes armados, mas não impede nem dificulta que eles sejam punidos pelos dois crimes: basta que o Ministério Público comprove que o réu tinha o propósito autônomo de portar uma arma de fogo.
A preocupação permeou o julgamento do tema pela 3ª Seção do STJ, que fixou tese sob o rito dos recursos repetitivos. Na prática, a conclusão apenas ratificou a jurisprudência que já estava pacificada sobre o tema.
Se a arma de fogo é apreendida no contexto do tráfico, ela não gera o crime autônomo do Estatuto do Desarmamento. Incidirá apenas a majorante da pena prevista no artigo 40, inciso IV, da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).
A votação foi unânime, conforme posição do relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Ao acompanhá-lo, o ministro Rogerio Schietti destacou que a ocorrência de ambos os crimes em concurso material vai depender da capacidade probatória do Ministério Público.
Isso porque o crime de posse ilegal de arma é cometido, por exemplo, por alguém que mantém esse armamento em casa. Então, ele só será absorvido pelo tráfico de drogas quando o MP não conseguir demonstrar que a arma era usada antes do momento da traficância.
Para o ministro Schietti, em boa parte dos casos será provável que existam duas condutas a serem punidas separadamente. Só não será possível presumir uma delas. Em sua opinião, o MP tem condições de provar que a pessoa tinha o propósito de ter a arma.
“O STJ não está simplesmente contestando uma benevolência para quem trafica armado, porque a lei diz que essa conduta é mais gravosa. É importante que sinalizemos que aquele que está armado deve ser punido por tal conduta, ainda que eventualmente utilize a arma para o tráfico. Aí serão duas condutas a serem punidas separadamente.”
Presunção indevida
Sem essa prova, o juiz não deve presumir que a arma é autonomamente utilizada. Isso evita a ocorrência do concurso formal de crimes, com a soma da pena de ambos no momento da dosimetria.
Outro risco na discussão da tese foi apontado por membros das Defensorias Públicas que participaram do julgamento. Ele diz respeito à possibilidade de o tribunal considerar a absorção do crime de posse só nos casos em que a arma é usada em aberto pelo traficante.
Para Rafael Raphaelli, da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, isso faria com que somente traficantes com fuzis ostensivamente apresentados, ligados a facções criminosas, tivessem o benefício da absorção de um crime pelo outro.
Traficantes menos estruturados ou mais discretos responderiam pelas duas condutas, “mesmo todo mundo sabendo ser plausível que quem se envolve no tráfico de drogas possa ter uma arma para defesa da mercancia ilícita”, segundo o defensor.
Adriana Patrícia Campos Pereira, da Defensoria Pública de Minas Gerais, que sustentou oralmente como amicus curiae (amiga da corte) em nome do Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas (Gaets), seguiu linha parecida. Ela apontou que o indivíduo que porta a arma e a tem em depósito, mas sem exibi-la durante o tráfico, teria uma pena maior do que aquele que efetivamente a apresenta a usuários, adversários, rivais etc., o que criaria uma situação paradoxal.
“A situação que acontece na maioria das vezes nesses casos de tráfico de drogas é estarem ausentes quaisquer indícios da prática autônoma de outros crimes. Aplicar o concurso material é o mesmo que admitir a presunção de que o indivíduo está cometendo outros crimes (com a arma).”_
CVM decide absolver ex-CEO da Americanas por divulgação de “inconsistências contábeis”
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) absolveu, durante a sessão desta terça-feira (3/12), o ex-CEO da Americanas Sergio Rial de duas acusações de ter descumprido regras de divulgação de dados relevantes de companhias abertas, por ter anunciado “inconsistências contábeis” no balanço da empresa. Na mesma sessão, o ex-diretor de Relações com Investidores da varejista foi condenado a pagar multa de R$ 340 mil. O relator do processo administrativo sancionador, diretor Daniel Maeda, votou pela condenação de Rial a pagar multa de R$ 340 mil por ter exposto, em teleconferência no dia 12 de janeiro de 2023, informações importantes. O presidente da CVM, João Pedro Nascimento, também votou pela condenação.
Os diretores João Accioly e Otto Lobo, contudo, votaram pela absolvição de Rial, por ele ter renunciado ao cargo um dia antes. A diretora Marina Carvalho se declarou impedida de julgar, e o placar ficou empatado, prevalecendo a posição mais favorável ao acusado.
Rial também foi absolvido, desta vez por unanimidade, de expor de maneira “incompleta e consistente” números da dívida financeira da empresa em teleconferência.
Segundo o advogado David Rechulski, que conduziu a defesa de Sergio Rial, a absolvição proferida pelo Colegiado da CVM representa ao final um resultado justo ao reconhecer que o denunciante de boa-fé atuou dentro da legalidade. Além disso, a absolvição de Rial representa uma mensagem coerente ao mercado de capitais e um incentivo concreto ao whistleblowing, favorecendo a transparência e a retidão na atuação em companhias de capital aberto._
STJ afasta custas em embargos de terceiro que perderam objeto sem citação
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou a cobrança de custas processuais em embargos de terceiro que foram extintos por perda de objeto após a parte embargada desistir da penhora de um imóvel. De acordo com o colegiado, a exigência do pagamento seria inadequada, uma vez que o embargado nem sequer foi citado nos autos, e o embargante, por outro lado, teve seu patrimônio restringido de forma indevida.
Na origem do caso, a desistência da penhora na ação principal levou o juízo de primeiro grau a extinguir os embargos de terceiro, impondo ao embargante a obrigação de arcar com as custas processuais, sem arbitramento de honorários advocatícios.
Ele apelou ao Tribunal de Justiça de São Paulo, mas a sentença foi mantida sob o fundamento de que a desistência se deu antes da citação nos embargos de terceiro, o que indicaria falta de resistência à pretensão do embargante. Com base no princípio da causalidade, a corte estadual avaliou que esse fato afastaria a possível atribuição de encargos sucumbenciais ao embargado.
Ao STJ, o embargante alegou, entre outros pontos, que o autor da ação principal deveria arcar com os ônus sucumbenciais dos embargos, pois foi a penhora injusta que motivou a sua oposição.
Sucumbência
A ministra Nancy Andrighi, relatora na Terceira Turma, explicou que, se os pedidos feitos nos embargos de terceiro forem julgados improcedentes, o embargante responderá pelos ônus sucumbenciais, em virtude do princípio da sucumbência (quem perdeu paga). Caso contrário, continuou, o julgador precisará analisar o contexto sob a ótica do princípio da causalidade (quem deu causa ao processo é que paga).
Segundo a ministra, esse mesmo princípio deve ser observado na hipótese de perda do objeto dos embargos de terceiro em razão de desistência da penhora nos autos principais. Nesse caso, a ministra afirmou que a parte que deu causa ao processo deve arcar com os ônus sucumbenciais.
No entanto, Nancy Andrighi alertou que a situação em análise é peculiar, pois a parte embargada não chegou a ser citada nos autos dos embargos de terceiro. “Não se revela razoável imputar à embargada o dever de arcar com os ônus sucumbenciais de processo do qual nem sequer era parte. Por outro lado, tampouco revela-se razoável imputar a referida obrigação à parte embargante, vítima de aprisionamento material indevido de seu patrimônio, se por um comportamento seu não deu causa à constrição”, destacou.
A relatora observou ainda que esse entendimento foi adotado em julgados do STJ regidos pelo Código de Processo Civil (CPC) de 1973, porém segue válido sob o CPC/2015.
“Nesse contexto, merece reforma o acórdão recorrido, pois, na hipótese de desistência da penhora anterior à citação da parte embargada, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito em virtude da perda superveniente do objeto, mas sem qualquer condenação em ônus sucumbenciais”, concluiu a ministra ao dar parcial provimento ao recurso especial. Com informações da assessoria de comunicação do STJ._
O Cejul (Centro Nacional de Julgamento de Penalidades Aduaneiras) completou recentemente um ano de funcionamento e, este marco, certamente merece ser objeto de apreciação.
No ano passado, publicamos artigo debatendo sobre a criação do órgão e os possíveis cenários em relação ao futuro da discussão sobre a aplicação da pena de perdimento e da efetividade das novas normas correlatas. Passado um ano de instauração do Cejul, parece pertinente analisar os resultados produzidos até aqui e verificar, de fato, onde estamos com relação ao tema.
Sobre o Cejul
O Cejul nasceu a partir da iniciativa da Receita de buscar adequação às normas e diretrizes contidos nos acordos internacionais sobre facilitação do comércio, principalmente, a Convenção de Quioto Revisada (CQR), que impõe a necessidade de duplo grau de jurisdição para o julgamento de recursos administrativos em matéria aduaneira.
Pautada nesta exigência, a Administração criou um novo tribunal especificamente designado para julgar casos de pena de perdimento de mercadorias, veículos e moeda, o que levou à alteração do rito previsto no então Decreto-Lei nº 1.455/76 e criação da Lei nº 14.651/2023.
Diante dessas mudanças, e avaliando as implicações legais e práticas do novo rito, nos posicionamos de forma reticente quanto ao potencial benefício e legalidade do Cejul. Isto porque, em síntese, nos preocupava — e ainda preocupa — o fato de que o duplo grau, ainda que implementado, não teria independência funcional e hierárquica adequada, já que constituído dentro da estrutura da aduana (autoridade fiscalizatória) e composto unicamente por auditores-fiscais.
Não obstante, quando da publicação do artigo original, ressalvamos que nosso posicionamento era estritamente legal e pautado em preocupações, já que, naquele momento, não se poderia concluir se os recursos apresentados ao Cejul seriam, de fato, “ilusórios” ou se a corte funcionaria de forma adequada e capaz de endereçar os problemas relacionados à matéria com independência e tecnicidade.
Um ano depois: onde estamos?
Pois bem. Em novembro de 2024 o Cejul completou um ano de funcionamento e, com isso, tem-se a oportunidade de avaliar seu desempenho e atividades de forma a validar ou rechaçar as preocupações e cenários anteriormente aventados.
Na semana passada, a Receita realizou um evento bastante completo para comemoração da data, no qual diversos auditores-fiscais, membros e não-membros do Cejul palestraram, além de alguns convidados. Nesta oportunidade, foram apresentadas as estatísticas de julgamento, as quais são um ponto de partida interessante para a presente análise. [1]Segundo os dados apresentados, em seu primeiro ano de funcionamento o Cejul proferiu mais de 1.000 decisões, considerando o órgão como um todo. Destas, cerca de 90% das decisões de primeira instância, realizadas monocraticamente pela Equipe Nacional de Julgamento (Enaj), mantiveram as autuações de perdimento.
Já as Câmaras Recursais, nos julgamentos de segunda instância, apresentam resultados um pouco mais flexíveis, com cerca de 19% de provimento dos recursos para afastamento das penas de perdimento.
Balanço anual
Sobre esses dados, pode-se tecer conclusões positivas e negativas. A positiva é que, as Câmaras Recursais têm revertido uma quantidade significativa de decisões e, assim, afastado autos de infração.
O número talvez esteja aquém do que se esperaria, mas é, sem dúvidas, muito superior ao que se verificava nos processos regidos pelo rito anterior. O aumento no número de decisões favoráveis aos operadores, a nosso ver, não se dá apenas pela existência de uma instância a mais, mas pelo fato de que o órgão colegiado conta com alguns auditores experientes e especializados na área.
Por outro lado, as estatísticas revelam que a criação e a atuação do Cejul não reduziram a judicialização da matéria. Pelo contrário. Ainda que seja difícil mensurar com exatidão a quantidade de ações movidas para discussão de perdimento na esfera judicial, principalmente em primeira instância, é pública a informação de que os Tribunais Regionais Federais (TRFs) julgaram, nos últimos 12 meses, 12% mais processos sobre a matéria do que em relação ao período anterior e 18% a mais do que há dois anos atrás.
Outro ponto que chama a atenção é a disparidade entre os percentuais de manutenção de autos de infração em primeira instância, pela Enaj, e em segunda instância, pelas Câmaras Recursais. Essa situação se torna especialmente grave pelo fato de que a Lei n. 14.651/2023 autoriza a destinação de mercadorias e veículos após a decisão de primeira instância.
Ou seja, o cumprimento literal da legislação está permitindo a destinação indevida de parcela significativa de mercadorias e veículos. E para quem acha que essa situação pode, posteriormente, ser devidamente remediada está enganado, visto que o que o Regulamento Aduaneiro chama de “indenização” é tão somente o pagamento, pela Fazenda Nacional, do valor aduaneiro declarado para fins de início do despacho [2]. Ou seja, não há qualquer compensação pela destinação indevida e pelos prejuízos causados indevidamente ao particular, apenas a correção pela Selic, contada da data da apreensão.
Na prática, isso significa que todas as partes que tiveram a autuação afastada em última instância pelo Cejul ainda assim saíram perdendo, já que o valor a ser recebido em caso de destinação indevida é inferior e insuficiente para neutralizar as adversidades econômico-financeiras sofridas com a apreensão de produtos essenciais à atividade empresarial e, principalmente, para cobrir os valores de que foram ilegalmente privados.
Preocupações atuais
Durante o evento de celebração promovido pela Receita, chama a atenção a fala da chefia do Cejul, quando justifica a discrepância nos números de provimento em primeiro e segundo grau no fato de que o perdimento seria tratado de forma diversa em cada unidade e que auditores de muitas localidades não teriam experiências comparáveis. E, diante disso, conclui que foi necessário fazer um “nivelamento do conhecimento” dos julgadores ao longo deste primeiro ano de atuação do Centro.
Ora, esta fala, por si só, é preocupante e não apenas pelos prejuízos já mencionados. Ao verificar-se o que prevê a Portaria RFB nº 348/2023, que dispõe sobre o funcionamento do Cejul, é clara a disposição de que os julgadores “serão selecionados com fundamento na experiência profissional e na formação acadêmica”. Todavia, esta não parece ser a prática.
Conforme explicação dada durante o mencionado evento, os julgadores inicialmente designados para integrar o órgão eram auditores-fiscais da DRJ Belém, cedidos ao Cejul para que pudesse iniciar seu funcionamento. Ainda que não se possa afirmar que se trata de grupo sem conhecimento técnico ou capacidade adequada, é, no mínimo, curioso que, a Receita tenha considerado que a experiência profissional e formação acadêmica de julgadores lotados em localidade que não possui comércio exterior expressivo e que sequer é em um grande centro econômico parecia razoável.
Além disso, a quantidade de julgadores atualmente alocados para a Cejul parece ser insuficiente, já que têm sido necessárias nomeações ad hoc mensais de alguns auditores para atuação como julgadores temporários. Além disso, alguns dos julgadores permanentemente lotados no órgão vêm sendo forçados a exercer duplo papel e julgando, simultaneamente, processos em primeira e segunda instância.
Este último fato é igualmente preocupante, na medida em que as atas de julgamento da Câmara Recursal revelam diversas declarações de impedimento em razão de o julgador ter sido o relator da decisão monocrática. O efeito imediato dessa situação é a aparente ausência de independência entre a primeira e segunda instância, além da necessidade de haver a constante redução na quantidade de julgadores em razão da abstenção obrigatória do julgador originário — ainda que dentro do quórum mínimo exigido –, o que pode acabar comprometendo a qualidade do debate.
Por fim, acreditamos que o maior problema do Cejul seja a falta de transparência. Afinal, as decisões não são publicas e os fundamentos não estão acessíveis à comunidade. Além disso, sequer é possível cruzar as informações das atas com o conteúdo das ementas, já que a numeração e o formato são incompatíveis. Essas questões afetam diretamente a legitimidade do Órgão, além de abrirem espaço para contestações sobre a sua independência.
A respeito disso, inclusive, chama a atenção outra fala da chefia do Cejul, sobre a governança da Receita Federal e de que a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) é quem “daria a palavra”, no sentido de ser o órgão é quem dita interpretação normativa e que esta sempre deveria prevalecer sobre eventuais opiniões divergentes.
Na fala mencionada, a submissão às ordens da Cosit é justificada para garantir uniformização, consenso, celeridade e eficiência. Não obstante, para o setor privado o sentimento que ela desperta é diametralmente oposto. Como se pode falar em independência se os julgadores são meros aplicadores de normas pensadas pela estrutura fiscalizatória?
O artigo 10.5 do Anexo Geral da CQR é categórico em dispor que “o requerente deverá ter um direito de recurso para uma autoridade independente da administração aduaneira”. No entanto, se todos os julgadores estão declaradamente vinculados ao entendimento da própria Administração Aduaneira, e há constante alocação de autores-fiscais em exercício como julgadores ad hoc, não parece existir outra conclusão que não seja a existência de dependência e parcialidade do Órgão em relação à Receita.
O que pode ser feito?
Diante de tudo que foi exposto, e utilizando o artigo publicado em setembro de 2023 como base, não parece justo concluir que o Cejul é um mero artifício da Administração ou que seria uma “cortina de fumaça jurídica”. Há de se reconhecer e valorizar o empenho empreendido pela equipe dedicada ao Órgão para, apesar das adversidades, fazer com que o Centro prospere e evolua.
Apesar disso, a versão atual está longe de refletir o cumprimento das obrigações internacionais pelo Brasil, fazendo com que persista a insegurança jurídica de outrora.
Nestes termos, cabe repisar o que tratamos no passado como cenário/alternativa ideal: a necessidade de que a comunidade do comércio exterior não desista de debater a temática e que continue a negociar e discutir possíveis caminhos para efetivamente compatibilizar os procedimentos internos com as obrigações assumidas pelo Brasil em compromissos internacionais, em especial, a CQR.
O balanço deste primeiro ano de existência do Cejul permite algumas sugestões, a exemplo da mudança do órgão para a estrutura do Ministério da Fazenda, separando-o da Receita — o que traria não só a independência necessária, nos moldes já utilizados pelo Carf, como resolveria os atuais problemas de orçamento e estrutura.
Outra sugestão seria a modificação para tornar o órgão paritário, envolvendo julgadores advindos e indicados pelo setor privado. Esta alternativa remediaria os problemas de legitimidade atualmente enfrentados, bem como resolveria as dificuldades com pessoal, tornando possível separar os julgadores de primeira e segunda instâncias e evitar as constantes convocações temporárias, que acabam por misturar aplicadores e julgadores de autuações.
Por fim, a medida mais fácil e urgente refere-se à publicação integral das decisões proferidas, de modo a garantir o devido respeito à Constituição [3] e à Lei nº 9.784/99 [4], e permitir, inclusive, que a qualidade técnica e a legalidade do trabalho que vem sendo realizado possam ser comprovadas e acompanhadas.
Sobre o futuro
Como mencionado pela chefia do Cejul, o órgão aparentemente veio para ficar. Talvez isso não seja, de todo, uma má notícia. O aumento do número de decisões favoráveis aos operadores e a possibilidade de recurso em dupla instância são, sim, vitórias já conquistadas, assim como saber que existem – ainda que em minoria — nomes consagrados do Direito Aduaneiro dentre os julgadores.
Há um ano, fazíamos um grande esforço para que o Cejul não nascesse ou prosperasse, dadas as preocupações e ilegalidades que o rodeavam. Passado esse tempo, a melhor alternativa talvez não seja continuar brigando pela sua extinção, mas por seu aprimoramento; pelo aumento da transparência, da paridade e da independência.
No Direito Aduaneiro nada vem fácil e as mudanças demoram — muitas vezes décadas —, mas o ano que está em vias de terminar vem mostrando que existe espaço para debater e negociar grandes projetos em prol de uma Aduana mais moderna e cooperativa.
É este o espírito que buscamos despertar: a necessidade de atores públicos e privados atuarem de forma coordenada para o avanço do comércio exterior e da conformidade — objetivo nobre, mas que necessita de engajamento (sobre o que falamos na última coluna) e concessões de ambos os lados.
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[1] Evento virtual transmitido pelo YouTube no seguinte link.
[2] RA art. 803-A: “Na hipótese de decisão administrativa ou judicial que determine a restituição de mercadorias que houverem sido destinadas, será devida indenização ao interessado, com recursos do Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização, tendo por base o valor declarado para efeito de cálculo do imposto de importação ou de exportação”.
[3] O inciso LX do art. 5º, da CF dispõe que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
[4] No âmbito da Lei n. 9.784/99, que trata do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, tem-se obrigação contida no §5º do art. 49-A de que as decisões colegiadas obedeçam “aos princípios da legalidade, da eficiência e da transparência”._